Francisco Cabrita
A vitória de Trump — como a vitória do Brexit — são acontecimentos que,
de acordo com a esquerda e os media que a sustentam, não
deveriam ter acontecido.
Por isso é preciso encontrar explicações para o que se passou, perceber
o que «correu mal».
Depois dos ataques velados aos eleitores «brancos» (poderemos
considerá-los racistas, ou essa palavra só tem conteúdo quando é usada pela
esquerda?) e dos ataques às populações rurais e não licenciadas (haverá aqui
alguma ponta de elitismo e classismo?), os grandes educadores das massas dos
nossos dias já encontraram o verdadeiro culpado: a Rússia.
Parece mentira, parece inconcebível, parece caricatural mas é mesmo
verdade: grandes sectores da esquerda americana e até europeia pelos vistos
acreditam e querem realmente fazer-nos crer que a Rússia e uma legião de
hackers por ela controlados não apenas manipularam o eleitorado americano com
«falsas notícias» como chegaram até às remotas máquinas de voto electrónico em
condados perdidos dos Estados Unidos e alteraram o sentido de voto dos
americanos.
É grotesco, parece saído das mais desacreditadas mentes conspirativas,
mas é realmente aquilo em que muitos liberais acreditam. A Rússia é agora o seu
papão, numa escala bem superior àquela em que consideravam a União Soviética
uma ameaça, no auge da guerra fria e perante o perigo real de conflagração nuclear.
O ridículo não tem limites.
E no entanto poucas são as vozes que encontramos no espaço público a
denunciarem este absurdo. As razões para tal não são difíceis de compreender e
chegaremos a elas, mas concentremo-nos por agora nas alegações que são feitas.
As «notícias falsas»
Muitos se indignaram nas últimas semanas contra as «notícias falsas» que
pululam pela internet e sobretudo as redes sociais por estes dias. Até um
cronista prestigiado como David Ignatius do Washington Post lhe
dedicou um artigo por estes dias, ligando-as à Rússia e à sua «propaganda».
Vejamos: existem «notícias falsas» hoje, como existem há muito tempo. Na
era da informação instantânea, a internet promove a difusão de falsidades do
mesmo modo que promove as «indignações» sem substância ou mesmo calúnias que se
propagam de forma «viral». Esse é um dos perigos da internet que tantos de nós
identificaram há já muito tempo.As
«notícias falsas» vêm porém dos mais variados sectores e têm os mais diversos
objectivos, desde a propaganda política a fins puramente comerciais. Tal como
acontece com outros conteúdos, falsos ou não, desde as «cadeias de email» aos
vídeos partilhados. A internet potencia todos esses fenómenos.
Pretender culpar a Rússia por algo que essencialmente é da natureza
mesma da internet é um sofisma. O regime de Putin será certamente culpado de
muita coisa mas sustentar que este orquestrou uma campanha de «falsas notícias»
com o intuito de prejudicar Clinton e que tal campanha teria sido decisiva para
a vitória de Trump, é fazer de todos nós (e não apenas dos eleitores) parvos. O
problema aqui é outro — e as vozes que se levantam contra as «falsas notícias»
no fundo sabem-no bem.O problema é que a
esquerda de repente começa a sentir que o seu controlo dos media está a
ser posto em causa por uma direita mais agressiva e que para ter voz recorre a
meios alternativos — sobretudo a internet. Não tendo os meios bilionários de
que dispõem as CNN's e afins (nos EUA a esquerda só não tem o monopólio
completo dos media porque existe a Fox News), a direita recorre hoje cada vez
mais à internet, verificando-se fenómenos de popularidade como o Breibart News
(do agora anatematizado Steve Bannon).
Ora, habituada a controlar o fluxo da informação, a esquerda não gosta
deste novo cenário que a vitória de Trump expôs em larga medida: como foi possível
que apesar da cobertura negativa permanente, um fluxo ininterrupto de ataques e
desqualificações dos media liberais ocidentais contra Trump, a população
americana tivesse votado maciçamente neste homem? Onde estavam os apoiantes de
Trump que não se faziam ouvir? Certamente não nos media tradicionais... Daí a
caça às bruxas e os papões da Rússia e das notícias falsas.
A «preocupação» da esquerda com as «notícias falsas» é por
isso algo contra o que precisamos de nos precaver e escudar: é apenas uma forma
de tentar censurar a internet e basicamente silenciar toda a opinião que
escapar ao unanimismo que quase se verifica já nos media tradicionais. Nenhuma
dose de «notícias falsas», supostamente criadas para beneficiar Trump (alegação
que em si mesma parece configurar uma «notícia falsa»), seria suficiente para
suplantar o fogo cerrado contra Trump que os media dispararam neste ciclo
eleitoral norte-americano (e continuam a disparar).
Os «liberais» querem purgar a internet do que consideram «falsas notícias»,
actuando como Ministério da Verdade orweliano. Querem instituir uma censura à
escala global, na qual lhes caberá sempre a última palavra sobre o que o
público deve ou não ler ou ouvir. Cabe-nos resistir a uma tal iniquidade
denunciando-a vigorosamente.
Os pedidos de recontagem dos votos
Uma candidata do partido dos verdes dos EUA que obteve pouco mais de 1%
dos votos decidiu pedir a recontagem dos boletins em 3 Estados: Michigan,
Wisconsin e Pensilvânia.
É difícil seleccionar onde colocamos o ênfase aqui: se no facto da
candidata ter tido 1% e portanto ser irrelevante eleitoralmente e não ter
qualquer interesse pessoal na recontagem; se no facto dos 3 Estados
seleccionados serem estados onde Trump ganhou (existindo outros onde Clinton
venceu por margens menores); se ainda no facto de que apenas uma completa
reversão dos resultados nos 3 Estados poderia alterar o desfecho final.
E no entanto, a campanha de Clinton — que antes das eleições se indignou
com a possibilidade de Trump não reconhecer imediatamente os
resultados («isso equivaleria a minar a democracia americana», «não é
assim que fazemos as coisas na América») —já declarou que participará
na recontagem...
Trata-se de uma história mal contada e que leva a questionar o que
estará aqui verdadeiramente em causa.
Como se sabe, paralelamente a estas petições
estão a ser feitas pressões e ameaças a vários membros do colégio eleitoral
para que defraudem o sentido de voto dos eleitores dos respectivos Estados e
votem antes em Hillary Clinton. Caso se conseguissem combinar a reversão dos
resultados em pelo menos dois dos três Estados (e não tenhamos
dúvidas de que o tentarão fazer, sempre com argumentos de «transparência» e
«integridade» do voto mas na realidade não olhando a meios para tentar
subverter a contagem já feita e os resultados já certificados) e adicionalmente
se conseguisse mudar o sentido de voto de algum eleitor do colégio, Clinton
poderia ainda chegar à Casa Branca.
Realisticamente estes esforços não têm possibilidades de sucesso mas o
que está aqui em causa — e este é o corolário também da preocupação com as
«falsas notícias» e as alegações de «mão russa» nas eleições — é minar desde o
início a presidência de Trump, fragilizar o seu mandato e a sua autoridade e
apresentá-lo como um Presidente ilegítimo. Afinal de contas algo de contrário à
«ordem natural das coisas», a ordem liberal, multicultural, relativista e
globalista, aconteceu no mais poderoso e influente país do mundo.
Não confundir com Técnico Oficial de Contas... |
Sem comentários:
Enviar um comentário