terça-feira, 4 de julho de 2017

Macron e o seu trono de duas pernas



Nelson Ribeiro FragelliABIM

Em Outubro de 2016 uma sondagem de opinião do prestigioso instituto francês IPSOS fazia uma revelação: 88% dos franceses estão profundamente insatisfeitos com os rumos do país.

Em Maio deste ano, um novo estudo de opinião — o relatório anual do Conselho Económico, Social e Ambiental (CESE) — agravou ainda mais o ânimo nacional. «Le Monde» (24-5-17) cita trechos deste estudo, revelador do actual pessimismo dos franceses que, desorientados, não sabem o que fazer. Não se mobilizam e consideram-se condenados a viver dias ainda piores. O estudo acrescenta que se torna urgente um despertar colectivo.

À maneira de resumo das suas conclusões, o relatório põe em destaque uma frase do socialista histórico Jean Jaurès, pronunciada pouco antes do seu assassinato em 1914: «Há em França, a propósito dos problemas vitais, uma inércia do pensamento, uma sonolência do espírito.» As recentes eleições presidenciais e legislativas confirmam este diagnóstico.

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Diante deste quadro, tudo se arranja na política francesa para que o recém-eleito jovem presidente Emmanuel Macron erga a cabeça do seu país entorpecido. O esforço publicitário para apresentá-lo revestido de grandezas passadas é imenso. Jornais e revistas, de esquerda e de direita, apresentam-no vistosamente em uniformes de Napoleão ou sentado com majestade num trono.

Vladimir Putin veio homenageá-lo. O encontro foi no majestático cenário do Palácio Real de Versalhes, cujos suntuosos corredores e salões ambos percorreram. Na Galeria das Batalhas cercaram-se de pinturas magníficas de combates legendários. Quinze séculos de heroísmo os emolduravam, desde Clóvis, vencedor de Tolbiac em 496, até as vitórias de Napoleão em Austerlitz e Wagram. Seriam os dois vivazes políticos, de passado desconhecido, emanações modernas daqueles heróis? A encenação sugeria-o. Mas os personagens não cabiam no papel...

Os jardins de Versalhes acolheram os seus passos. Putin, habitualmente inexpressivo, olhava para Macron como um ajudante de ordens poderia olhar o seu general após a vitória. E Macron parecia não vê-lo. Fitava o longínquo horizonte em sonhos grandiosos...

A representação não está a convencer. Apenas eleito, Macron deveria ser confirmado pelo voto popular na primeira volta das eleições parlamentares, em 11 de Junho. O seu partido saiu favorito, mas com o menor número de votos já obtidos por um governo na V República. A abstenção bateu um recorde histórico. Não houve o «despertar colectivo» desejado pelo CESE.

Em 18 de Junho deu-se a segunda volta. Novo recorde de abstenção: 57%. Somados aos votos em branco, temos 64% dos eleitores que não se importam com Macron, nem com os rumos da Nação. No dia seguinte, o jornal alemão «Die Welt» escreveu que a encenação tentava pôr Macron no trono de Júpiter, o pai dos deuses. Mas, a olhos vistos, não está a dar resultado. Apesar do desprezo dos eleitores, Macron obteve maioria parlamentar. Só que o seu trono tem apenas as duas pernas de trás. As duas da frente são as dele mesmo.





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