sábado, 30 de abril de 2016


Pacheco Pereira


Jorge Costa, Insurgente


O que torna o Pacheco Pereira um traste não é as ideias que tem ou não tem. Passamos a semana inteira a ouvir coisas tão ou mais estúpidas do que aquelas que ele faz questão de repetir por todo lado em que lhe derem atenção, sem acharmos que quem as profere é, por isso, indigno.

O que faz dele um traste moral é não ter a coragem de sair do PSD, e ir para Associação 25 de Abril, para o Bloco, para a Bloca, ou para onde lhe der na realíssima gana.

Toda a gente tem o direito de mudar. O problema é que para sair civilizadamente do partido de que um dia fez parte teria de reconhecer que mudou (supondo que é disso que se trata e não de ressentimentos pessoais insusceptíveis de comentário), que já não faz parte daquilo, mas que nem por isso o grupo político a que pertenceu e as pessoas com quem partilhou posições deixam de ser respeitáveis, como eram antes, tal como é respeitável quem quer que jogue limpo no jogo da democracia, que é o jogo do pluralismo.

Teria, enfim, de se resolver. Ele não. Prefere ficar à espera de ser empurrado, para se converter num caso heróico, transformando os outros, os que ficaram onde estavam, em pulhas. Obviamente que isso não acontecerá nunca, até porque Pacheco Pereira, ao fim do dia, é insignificante, o mundo não está inteiramente preenchido pelos trastes, e toda a sua relevância se reduz agora a este rosnar permanente que parece, bem vistas as coisas, ser a sua verdadeira vocação. Sem isso, e resolvendo-se civilizadamente, ficava o quê?





quinta-feira, 28 de abril de 2016


O malabarista


Luís Reis, Jornal Económico, 26 de Abril de 2016

Em visita recente a uma praça financeira europeia fui surpreendido com a forma elogiosa com que um gestor de fundos português se referia a António Costa. Dizia ele algo do género «O homem é um malabarista maravilhoso».

«Tem sempre 8 ou nove bolas no ar e quando uma parece mesmo que está a cair, com um movimento in extremis essa bola é apanhada e o espectáculo segue em frente!». Esta foi, sem tirar nem pôr, a melhor descrição do nosso primeiro-ministro que ouvi até hoje – não posso, na verdade, conter um sorriso ao pensar em tantas bolas no ar simultaneamente, com rostos ou símbolos os mais diversos: Catarina, Jerónimo, TAP, feriados, Centeno, Comissão Europeia, Juncker, Marcelo, UGT, CGTP, agências de notação, IVA, IRC, todas no ar, todas às voltas e todas habilmente manipuladas (leia-se, para que não subsistam dúvidas – passadas de mão em mão) por um malabarista, quase-ilusionista António Costa, numa cabal demonstração do retorno do investimento feito no programa televisivo onde aprendeu e aperfeiçoou a arte em questão, apropriadamente chamado «Quadratura do Círculo».

Surpreendentemente e de forma inopinada, ou talvez não, enquanto lhe vão atirando mais algumas bolas para as mãos (25 dias de férias, 35 horas semanais, banifs, licenças de maternidade de 12 meses, rankings que colocam Portugal nos lugares cimeiros da descompetitividade fiscal), António Costa começa a deixar cair bolas ao chão. Entram bofetadas, saem generais, há secretários de Estado em pé de guerra com ministros e ministros em pé de guerra com generais, há Draghi a pedir reformas e Jerónimo a garantir que reformas nunca mais e a confusão parece instalada.

Como se isso não bastasse, vem uma inesperada e desnecessária confissão freudiana pública e ateniense – «Quando for grande quero ser como a Grécia»! Por mais voltas que dê não consigo perceber os motivos que levaram o nosso primeiro-ministro a assinar ao lado de Alexis Tsipras («diz-me com quem andas»…) um manifesto que nos coloca do lado errado da problemática situação Europeia – justamente o lado do problema, da desconfiança, do incumprimento, dos resgates e dos haircuts – nem que benefícios daí advêm para o nosso país. A esse propósito, o Financial Times escreveu que «the leftwing duo of António Costa and Alexis Tsipras, both elected on anti-austerity platforms, lambast austerity, and attribute a diverse array of social issues to it», numa colagem tão embaraçosa para Portugal quanto a premência da necessidade de ouvir as devidas explicações para esse lamentável momento por parte do seu protagonista português.

Deixar cair uma bola a meio de um malabarismo difícil até se compreende. Mas atirar uma de propósito à cara de quem é o nosso único porto de abrigo nestes tempos turbulentos (a Europa) parece um acto de desafio e irresponsabilidade que só pode servir para dar razão às vozes que começam a querer associar a António Costa o cognome de o Arrogante. Antes Malabarista, digo eu…





quarta-feira, 27 de abril de 2016


Costa irá provocar eleições


José António Saraiva, Sol, 26 de Abril de 2016

António Costa, na liderança do Governo, tem vindo a comportar-se como um equilibrista: ora se inclina para a esquerda, para agradar a gregos, ora se inclina para a direita, para agradar a troianos.

Numa semana vai a Bruxelas tranquilizar as instituições europeias, na semana seguinte vai à Grécia solidarizar-se com Tsipras.

Nesse equilibrismo, Costa tem uma vantagem sobre Passos Coelho: como as medidas que implementa ou anuncia são populares – aumentos de ordenados, diminuição de horas de trabalho, devolução de taxas, etc. – não enfrenta contestação nas ruas.

Tem garantida a paz social (até porque a esquerda que o apoia é que controla os sindicatos).

Além disso, também conta com uma certa complacência dos jornalistas, que na sua esmagadora maioria são de esquerda.

Apesar dos arrufos com o BE ou com o PCP, o principal problema do Governo não é político.

Como tenho vindo a escrever, o problema de António Costa é económico e financeiro.

Quando começarem a sair os números é que vão ser elas, pois a bota não vai bater com a perdigota.

Ou seja: os números do Governo vão revelar-se errados.

Por uma razão principal: porque o Orçamento foi feito com base num determinado crescimento, e este vai ficar muitíssimo longe do previsto.

Basta pensar que no Programa Eleitoral do PS constava um crescimento do PIB de 3,1%!

Depois, este número baixou mais realisticamente para 2,6% – e agora está em 1,8%.

Acontece que a União Europeia prevê 1,6%, o Banco de Portugal 1,5%, o FMI 1,4% e a Universidade Católica 1,3%.

Muito provavelmente, o crescimento vai ser menos de metade do que o PS prometia.

Este é o aspecto mais surpreendente da actual situação, pois toda a estratégia socialista assentava na aceleração do crescimento económico.

O «crescimento económico» era a receita milagrosa que os socialistas contrapunham à «austeridade» da direita.

Ora, depois de tudo o que foi dito, depois de todas as medidas tendentes a estimular o consumo, vamos afinal ter um crescimento igual ou inferior ao dos tempos da austeridade (1.5% no ano passado).

Parece mentira, mas arrisca-se a ser verdade.

E o mal não tem remédio à vista, porque o investimento também não arrancou e vai ficar muito longe do esperado.

De facto, será muito difícil encontrar quem queira investir num país cujo Governo depende de dois partidos hostis ao capital privado, e onde se fala abertamente de reestruturação da dívida e até de saída do euro.

Um país cujo primeiro-ministro vai a Atenas declarar expressamente solidariedade ao Syriza.

É óbvio que os investidores torcem o nariz.

Quando se tornar claro que todas as metas vão falhar e a Europa começar a exigir novas medidas, o primeiro-ministro vai começar a pensar em eleições.

Porque concluirá que, com os actuais parceiros, nunca conseguirá cumprir os critérios europeus.

Aproxima-se o momento em que Costa perceberá que não é possível satisfazer as exigências de Bruxelas precisando do apoio do PCP e do BE.

Portanto, não será a oposição a derrubar o Governo: será o próprio António Costa a romper a coligação.

Para isso só terá de descobrir o momento propício.

Depois, trata-se de saber o que acontecerá a seguir.

Tenho para mim que o Bloco de Esquerda será o futuro parceiro dos socialistas, estando para o PS como o CDS está para o PSD.

O BE será no futuro «o CDS do PS».

O Bloco gosta do poder – e isso vê-se na cara de Catarina Martins.

Além disso, com pouca penetração no mundo operário e nas autarquias, a influência do Bloco de Esquerda só pode fazer-se a partir do poder.

Praticamente esgotadas as «causas fracturantes», o BE já não tem muito para dar que não seja servir de muleta de esquerda ao Partido Socialista.

O que implica mudar um pouco a sua estratégia: publicamente barafustará, mostrar-se-á muito agressivo, mas no silêncio dos gabinetes aceitará o que for preciso.

Aliás, é o que faz o Syriza de Tsipras.

Diferente é o caso do PCP.

Os comunistas sentem-se desconfortáveis nesta situação, como é visível pela expressão de Jerónimo de Sousa.

E ao contrário do BE, o PCP pode ir exercendo a sua influência através das câmaras municipais, através dos sindicatos, através das comissões de trabalhadores, etc.

O Partido Comunista tem condições para continuar a existir fora do poder, como sempre existiu.

Resumindo, comecemos a preparar-nos para eleições.

E quanto mais cedo elas forem, melhor será para o PS e o BE, pois ainda não estará tão à vista o fracasso desta política.

O PSD é que não tem nada a ganhar com a aceleração do calendário eleitoral.

Por isso, Passos Coelho se mostra tão calmo.


P.S. – O falhanço do acordo no BPI permite três conclusões:

1. Não é pelo facto de o Governo se envolver em negócios privados que as coisas se resolvem;

2. Metendo o nariz onde não são chamados, o Governo e o PR enfraquecem-se quando as coisas correm mal (como foi o caso);

3. Este episódio vai afectar as relações entre Angola e Portugal, o que não aconteceria (ou aconteceria menos) se o poder político se tivesse mantido afastado do problema.

Espero que o BPI sirva de lição a Marcelo e António Costa.





terça-feira, 26 de abril de 2016


A Alemanha política

encontra-se inquieta e em fermentação


O novo Partido AfD afirma-se afirmando

que o «Islão é incompatível

com a Constituição»


António Justo

Passaram-se os tempos em que a opinião pública era determinada pela classe pensante. A passagem do Marco alemão para o Euro e em especial a política de boas-vindas aos refugiados, da Chanceler Merkel, secundada pelo seu governo (com alguns desacordes do CSU) e pela oposição, puxou muita gente para a rua que já há muito tempo sofria de dores abdominais e agora reage abruptamente num acto de insegurança perante o «terremoto» dos refugiados.

Grande parte da população anda desconsolada com tanta abertura e compreensão da política para com os imigrantes de cultura árabe. Em 2014 tinham solicitado requerimento de asilo na Alemanha 202 645 refugiados e segundo os registos oficiais, a Alemanha em 2015 deu albergue a mais 1,1 milhão de refugiados. O coração das autoridades e do povo tinha-se aberto numa onda de filantropia sem igual. Uma tal subida, secundada de experiências menos positivas no contacto com muitos dos chegados, provocou um choque social, não se fazendo esperar a reacção.

Surgiu o partido AfD («Alternativa para a Alemanha»); este, em menos de um ano de existência; conseguiu superar os 10% nos estados federados onde houve eleições comunais. Os partidos estabelecidos, CDU/CSU, SPD e Verdes, já temem a nova força concorrente que se candidatará para as eleições federais em 2017. As estimativas de previsão para as eleições parlamentares federais de 2017 confirmam a tendência obtida nas eleições para as comarcas. O AfD beneficiará, também do contestado acordo com uma Turquia, de pouca credulidade, que, além do mais, a troco de muitos milhares de milhões de euros, impede os refugiados de virem para a Europa, ganhando assim uma posição de poder chantagear a UE.

O AfD é recebido na praça da polis com semelhantes reacções como foi recebido, nos anos 80, o surgir do partido Os Verdes. Enfim: poder perturba poder, e os meios de uns e outros não conhecem as águas de uma moral pública onde se possam lavar.

De momento o AfD prepara-se para o seu congresso, onde elaborará o programa para as próximas legislativas. As suas afirmações sobre o Islão abanam a discussão pública e fazem tremer a alma de alguns mais sensíveis às intempéries. Uma sociedade mais preocupada e competente em princípios económicos do que em princípios de religiões parece acordar agora para a realidade da força da religião como factor fomentador de identidade.

O AfD que também quer uma fatia do bolo do poder, polariza a discussão provocando a reacção da classe política e de muitos jornalistas do consenso. O AfD, que surge do meio da sociedade – facto que atemoriza os poderes já instalados – insurge-se publicamente contra o Islão político e lá do alto do seu minarete, afirma: «A maior ameaça para a democracia e para a liberdade parte hoje do Islão político». A imprensa da praça insurge-se contra, afirmando que embora haja partidos muçulmanos que dão mais valor a princípios religiosos do que a direitos individuais de liberdade, na Alemanha não há partidos islâmicos e a maioria dos muçulmanos na Alemanha obedecem aos princípios democráticos.

Um outro ponto de crítica a querer lugar no programa do partido regista: «o AfD rejeita os Minaretes como símbolo de dominação assim como o apelo do muezim (almuadem), segundo o qual, com excepção de Allah (deus) islâmico não há Deus». Os críticos do AfD respondem comparando o Minarete islâmico com as torres cristãs. Quanto ao credo professado nas cinco vezes do apelo diário à oração, a saber: «Não há nenhum deus além de Deus (Allá) e Maomé é o seu profeta», a opinião publicada desculpa-os argumentando que tal apelo e oração expressa convicções religiosas que contribuem para uma maior ligação dentro do Islão (Cf. HNA 20.04.2016). (Devo pessoalmente confessar que este apelo repetido todos os dias publicamente em todo o mundo é um distúrbio da ordem pública e uma provocação, apesar da admiração que se possa ter pela voz do muezim!)

Quanto ao lenço de cabeça que muitas muçulmanas trazem, lê-se numa moção a apresentar no congresso: «A integração e igualdade das mulheres e raparigas assim como o livre desenvolvimento da personalidade contradizem o lenço de cabeça como símbolo religioso-político de subordinação das mulheres muçulmanas aos homens». Oponentes desta tese vêem no trazer do lenço um testemunho por uma norma moral de fundamentação religiosa. O HNA também relata que o vice-presidente do AfD afirma: «Eu creio que o Islão, na sua forma actual não é integrável numa sociedade ocidental, muitas pessoas sim mas o Islão não». Embora haja muitos fluxos islâmicos de salafistas crescentes, há também muitas outras comunidades religiosas islâmicas que não se opõem à ordem social em que vivem.

No projecto do programa também se lê «O Islão já se encontra no seu caminho declarado de domínio do mundo em 57 dos 190 países. Estes declararam a Sharia como o seu sistema legal na Declaração do Cairo de 1990 e, deste modo, a Carta de 1948 dos Direitos Humanos da ONU como irrelevante». Há quem contradiga fazendo a observação que a OIC (Organização de Cooperação Islâmica) não é uma aliança de estados mas apenas uma organização intergovernamental cujos acordos não são obrigatórios para cada Estado membro.

No passado o Estado Secular não tem tomado a sério a força religiosa imanente ao Homem e tem até procurado discriminá-la. Negar ou ignorar tal realidade contradiz o espírito democrático e um encontro de culturas de olhos nos olhos. A imprensa e os intelectuais não são amigos do Islão se o tratam como um coitadinho que só pode ser defendido e compreendido: querer-se-ia um Islão de baixo sem compreender a sua verdadeira filosofia.

Concretamente: seria incúria se o Estado secular e a intelectualidade europeia continuassem a ignorar o problema sem se ocupar de maneira científica e humana da questão da compatibilidade ou incompatibilidade do Islão com a Democracia; só assim se poderão fomentar a paz social e ajudar o mundo islâmico a uma revolução pacífica interna. Os Estados islâmicos terão de enfrentar o problema do seu autoritarismo e da sua desconsideração das necessidades de libertação do povo, como já se manifestou no movimento da primavera árabe. Urge a mudança no sentido de reconciliar as autoridades com o povo e os princípios com a vida. Sem a paz entre os muçulmanos não haverá paz mundial.





sexta-feira, 15 de abril de 2016


CONVITE








A «reinvenção» de Passos Coelho


Maria de Fátima Bonifácio, Observador, 14 de Abril de 2016

Votei em Passos Coelho porque o achava talhado para padrinho de um casamento a meu ver feliz e necessário. Espero que ele não se reinvente. À sua volta, quase só vejo anões.

Desde o Congresso do PSD, tão morno e tão maçador que foi qualificado de «anestésico», correm as lamúrias sobre a «fragilidade» e o «isolamento» de Passos Coelho, de quem o povo laranja teria esperado que se reinventasse, mas que, para grande decepção dos adeptos, se apresentou ao conclave igualzinho a si mesmo. Ainda por cima, disse – e repetiu – com toda a clareza que o PSD não voltaria ao poder na semana seguinte, nem ainda no mês de Maio do ano em curso, o máximo de espera suportável. Que não: que a actual maioria, legal e legítima, se revelara mais sólida do que se julgara; que era impossível assinar-lhe uma longevidade certa e definida; e que, por conseguinte, o PSD teria pela frente uma longa, indeterminável fase de oposição. Passos, portanto, não tinha nada de verdadeiramente empolgante para oferecer. Ganhara as eleições de 2015, é certo; operara o milagre de conseguir que Portugal tivesse uma «saída limpa» do programa de assistência da Troika, é também certo; mas o seu tempo acabara. E só não teria acabado se ele tivesse demonstrado uma acrobática habilidade para se «reinventar» a si mesmo, o que infelizmente não se verificara. De Passos se poderia dizer que não aprendera nada, nem esquecera nada.

Não me tinha ocorrido a ideia de que as grandes qualidades de Pedro Passos Coelho, que estiveram na origem do seu sucesso político e governativo, só tivessem, afinal, validade cíclica. Julgava que o realismo, o pragmatismo, a exigência, a resiliência, a coragem, a força de carácter, a integridade política eram trunfos para todas as estações. Pelos vistos, não são. E não são certamente os atributos requeridos, necessários ou sequer desejáveis para um «novo ciclo político». Quais serão eles?

Pesquei à linha nas declarações dos seus opositores. Desde logo, claro, capacidade afectiva e vocação sentimental. Capacidade para se condoer, de forma que seja bem visível e audível, com os pensionistas mais pobres, por exemplo. Depois, claro, um módico de «maleabilidade», que no dicionário dos seus críticos dentro do PSD significa predisposição para começar por recapitular erros, e acabar num mea culpa; ou seja, renegar tudo o que fez dele o líder e candidato a primeiro-ministro mais votado nas eleições de Outubro de 2015. E significa ainda, no dicionário dos seus adversários mais ressabiados, «abertura» a um «diálogo» com António Costa que vá evoluindo para uma compreensão mútua que, por sua vez, acabe por desaguar numa colaboração afável, franca e prestimosa. Seria uma maneira elegante de o presidente do PSD romper o seu alegado isolamento. Quer dizer, uma maneira de os pequenos e os grandíssimos boys do PSD — os «mais magoados» e os «mais ansiosos» — não fazerem a travessia da oposição em regime de absoluta «abstinência».

Para inaugurar tão virtuosa «abertura», não basta declarar (como Passos declarou num surpreendente momento de fraqueza)  «Social-democracia sempre!». Não. É preciso mais. É preciso expurgar todo o seu discurso do mais ténue vestígio da danosa ideologia liberal ou neoliberal que, durante o seu mandato como primeiro-ministro, pespegou no Partido Social Democrata uma nódoa diabólica. E ainda não chega. José Eduardo Martins, um crítico que já ascendeu a herói pela extraordinária coragem de ter comparecido em Espinho, queixou-se no Diário de Notícias de que «No passado recente […] escasseou a sensibilidade social, foram muitos os momentos de deriva ideológica em que a matriz social-democrata foi esquecida.» Será que o aspirante a futuro presidente do PSD ignora que a social-democracia é cara demais para um país que Passos tirou da bancarrota, um feito que ele próprio reconhece no mesmo texto?!

Pouco importa: houve «deriva ideológica», ponto. Como revela o jornalista Vítor Matos, «Não basta falar de desigualdades para se tornar mais social-democrata.» Passos que não venha agora com essa. É velha; está gasta. Em Espinho, Passos «não levou ao país nem ao partido nada de novo». Não forneceu uma só pista que permitisse diferenciar o PSD «do que fez nas últimas legislativas». Mais: nada disse «sobre aquilo que é hoje essencial para o centro-direita»; apresentou-se o mesmo Passos, «com o mesmo tom, a mesma estratégia, a mesma resiliência, a mesma frieza, a mesma teimosia». Mais grave ainda: «Em tempo de afectos na política», nem ao menos se emocionou ou teve «uma palavra de afecto para os pensionistas e Marcelo ganhou assim». E Vítor Matos conclui muito logicamente: «Parece que não aprendeu a lição.» Qual lição? A de ter vencido as eleições com esta carrada de defeitos? Relapso e contumaz, Passos «manteve as ideias que trazia da campanha eleitoral». Nada me parece mais acertado. Apesar de todo o foguetório e de todos os malabarismos para impressionar incautos, a verdade é que estamos perante «péssimas notícias» no horizonte económico-financeiro, considerando Graça Franco (4.4.16) que o que se perspectiva «é mau demais para continuar a fingir que não se passa nada».

Alguém me explique por que haveria de mudar aquelas ideias. Passos apresentou-se em campanha com um programa de governo para o novo ciclo pós-Troika. Ganhou as eleições, mas o Parlamento recusou-o para primeiro-ministro. Deveria, por isso, deitar as suas ideias borda fora e improvisar um programa diferente pelo motivo de ter passado à oposição? A táctica oposicionista, essa, suponho que seja diferente do estilo e modo de estar no poder. Mas o que em campanha era julgado bom e necessário para o País, transforma-se em mau e desnecessário só porque se transitou para a bancada do combate contra o governo? E, já agora, «o que é hoje o essencial para o centro-direita»? Ser o mais social-democrata possível? Ter um discurso idêntico ao do partido costista e adjacentes? Por outras palavras: competir com a esquerda radical para ver quem gasta ou promete gastar mais?! Como conclui muito acertadamente João Miguel Tavares (Público, 5.4.16), se a «geringonça», por milagre, resultar, no que também eu não acredito, «o tempo será sempre de António Costa, e nunca dos sociais-democratas do PSD».

Esta verdade, porém, não entra nas cabecinhas dos «mais magoados» e dos «mais ansiosos» (Vítor Matos), que pedem a auto-reinvenção de Passos, o exortam a ser mais social-democrata e lhe exigem «novidades». Pedem-lhe, em suma, o poder de volta o mais rápido possível e a qualquer preço. Estou em crer que Passos não se deixará empurrar pela esquerda do partido para uma derrota anunciada. Sinal disso foi a promoção de Maria Luís. Tenho grande apreço pela ex-ministra. Apreço e simpatia: gosto de pessoas inteligentes, convictas, intrépidas, e dispenso expansões públicas de emoções e sentimentos. Embora não tenha a certeza de que fosse preciso um sinal tão forte, a roçar a provocação, o sinal confirma que Passos Coelho não faz a menor tenção de se reinventar.

E ainda bem. Porque se algo é preciso reinventar – e ele é o homem certo para isso – é a própria social-democracia. Porquê? Porque, historicamente, esta já venceu: o que começou a erguer sobre os escombros da Segunda Guerra enraizou-se, vingou, desenvolveu-se e generalizou-se. É hoje, no Ocidente europeu, um património civilizacional tanto da esquerda como da direita. O que falta para sair do impasse actual e arrombar portas que lhe permitam continuar a viver? Falta remover os obstáculos, fruto de ideologias e doutrinas obsoletas, que entravam o progresso do capitalismo.

Sim, do capitalismo. Porquê? Porque o capitalismo, assente na propriedade privada e na concorrência, é historicamente o regime que mais riqueza e prosperidade gerou até hoje, e que retirou centenas de milhões de pessoas da miséria extrema. E é também, em toda a História, o regime económico que mais liberdade, individual e colectiva, concede às sociedades. Num mundo globalizado e que já não dorme, a estatização da economia (e portanto da sociedade), as planificações económicas e os proteccionismos de outrora não são possíveis, nem desejáveis. A social-democracia de cariz keynesiano está esgotada. E a sua urgente reinvenção terá de provir, e só pode provir de um casamento harmonioso com o liberalismo económico. Não é uma contradição e ainda menos um paradoxo. Quem tem medo da palavra «liberal»?

Muito boa gente. Paulo Rangel, por exemplo, num artigo sobre «Mobilidade Social» (Público, 5.4.16), esmera-se a explicar o distinguo fundamental: «O PSD tem um ímpeto liberalizador – que não é o mesmo que um ímpeto liberal.» Deus nos livre! «Numa economia altamente estatizada [como a nossa, supõe-se], liberalizar não é naturalmente ser liberal.» Confesso que a subtileza da nuance me escapa. Muitos social-democratas estão erradamente convencidos de que a social-democracia de cariz keynesiano resolve os problemas da desigualdade e do Estado Social com mais doses de social-democracia keynesiana – ainda mais Estado, ainda mais impostos. Do meu ponto de vista, resolvem-se liberalizando-a, porque esses problemas radicam essencialmente na insuficiência de riqueza. Votei em Passos Coelho porque o achava talhado para padrinho de um casamento a meu ver feliz e necessário. Espero que ele não se reinvente. À sua volta, quase só vejo anões.





quarta-feira, 13 de abril de 2016


Eutanásia, morte digna?


Pe. Vasco Pinto de Magalhães, Observador, 22 de Fevereiro de 2016

Como é possível que, num mundo cheio de mortes por ideologias fanáticas que pretendem um mundo limpo de infiéis, sem dignidade nem lugar, estejamos nós a discutir como matar para eliminar o sofrimento

Gostava de perceber o que se entende por dignidade. Para os defensores da eutanásia, esse tem sido um argumento. Mas dá vontade de perguntar: uma pessoa sofrida, em grande sofrimento, por uma doença ou situação «sem cura» perde a dignidade? A mãe a fazer o luto de um filho, por exemplo, ou um deficiente profundo, um doente «terminal» ou o Papa João Paulo II tremendo e babando-se nos seus últimos tempos, tornaram-se indignos? Não seria melhor «ajudá-los a morrer» ou, talvez, «matá-los piedosamente»? A resposta que me dão é que «faz muita impressão», que «não há direito de deixar ali a sofrer», que «a sua vida já só é um peso para si mesmo e para os outros» que «a sua vida acabou», «que sentido tem?»; e por isso mais vale acabar mesmo… e nós ajudamos; claro… se for esse o seu desejo pedido com liberdade.

Vale a pena comentar e responder a estas questões.

1) Então, a dignidade da morte viria desta ser a pedido, consciente e livre! Mas… todos sabemos que a liberdade é sempre condicionada e, de modo especial, ainda mais, no grande sofrimento ou na euforia. Um mínimo de psicologia e de entendimento da linguagem sabe que não se pode tomar à letra o que se ouve ou se lê. Quantas vezes atendo pessoas que mais ou menos com insistência me dizem «não aguento mais», «não sei o que ando cá a fazer», «isto não faz qualquer sentido», «quero morrer, ajude-me», etc. Então começa a conversa, respeitando essa dor. Conte-me a história toda, vamos ver por onde entra essa imensa solidão ou essa revolta, essa culpabilidade ou experiência de desamor insuportável… vamos falar dessa infelicidade, desse medo aterrador, desse sentimento de exclusão… E, tirando alguns casos de suicidas obsessivos, sempre se encontra algum caminho, uma janela, que ajuda a ver a luz (lá ao fundo), a descobrir uma aceitação possível. É preciso tempo, paciência e acolhimento para que a pessoa se comece a sentir amada ou, pelo menos, a admitir que pode ser reconhecido o seu valor. Tomo muito a sério a pessoa que pede a morte, mas devo perguntar-me: quer morrer ou está a dizer-nos outra coisa? Quer que aquele sofrimento morra, certamente. Mas a morte pela eutanásia, não mata o sofrimento, mata a pessoa! Aliás o que a minha experiência diz é que se eu, mais do que entender o seu sofrimento, também lhe mostro que concordo com a eutanásia, o que lhe estou a comunicar é: «realmente, mais um que acha que eu já não sirvo para nada».

2) A desfiguração e o sofrimento psíquico ou físico não tira dignidade à pessoa: esta, por maior que seja a limitação, não deixa de ser pessoa, sempre digna de ser respeitada e amada. O que é indigno na pessoa é a mentira, a corrupção, a inveja, a prepotência e a soberba que exclui e escraviza. A eutanásia também não resolve essas doenças morais, nem dá espaço para que sejam repensadas e superadas, eventualmente, com o acompanhamento, com o perdão e o paliativo necessário. Se, em vez de acompanhar a pessoa, para lhe dar dignidade a mato, não só não a compreendi como a «coisifiquei». Diz-se: faço-o por pena, para que não sofra! Mas bem dizia o Prof. Daniel Serrão: «a morte por compaixão é a morte da compaixão». Na verdade o que acaba ali é a relação e o cuidado com o outro; e, por um acto não médico, alivia-se a tensão: resolve-se, sim, o problema de quem acompanha e já não sabe lidar com ele. Uma subtil tentação, nem sempre perceptível, sob a capa de parecer que é um agir «pro vida».

3) A morte a pedido manifesta a autonomia da pessoa e daí a sua dignidade? Pode parecer, mas vejo aí uma confusão entre auto-suficiência e autonomia. Autonomia significa que se tem uma «lei própria» e se tem consciência dela e se é coerente com ela, com todos os seus condicionamentos. A pessoa vai-se tornando cada vez mais autónoma na medida em que se vai tornando cada vez mais moralmente livre. E a liberdade, que é uma aprendizagem difícil, é a capacidade de gerir os seus condicionamentos e escolher o bem maior; isto é, decidir-se pelo que é mais humano e mais nos humaniza como seres sociais. A auto-suficiência é não ter que dar contas a ninguém e fazer o que se entende por imaginar que se pode dispor de si e dos outros «como se quiser». Não somos auto-suficientes. A morte a pedido pode não parecer, mas é uma tentação de auto-suficiência. Escolher matar-se tal como matar, não é, certamente, escolher o bem maior – com autonomia e liberdade. É mais um grito de socorro. E socorrer deve ser um acto inteligente (o que se passa aqui? Qual é a dor?) e não uma cedência a um impulso ingénuo e «piedoso».

4) Se admitirmos que há um direito a querer morrer (e um direito a que me matem?), isso não implica que alguém, um médico, por exemplo, tenha o dever de o fazer. Terá o dever moral de ajudar quem faz tal pedido, na medida das suas possibilidades, mas ninguém pode impor essa obrigação de matar outro, mesmo que compreenda a sua dor e o seu pedido. Se se chegasse a legalizar a eutanásia devíamos ter claras várias coisas importantes. A primeira, que o que é legal não só não é necessariamente bom, como não é necessariamente legítimo moralmente. A segunda, que os direitos de uns não podem forçar os de outros; além do direito de discordar, tem-se o direito a que se respeite, positivamente, a objecção de consciência. Por fim, cada um deveria ter o direito de ter a lista toda dos médicos «eutanasistas». Eu não recorreria a um médico que pudesse olhar para mim e pensasse «este já está a mais; não vai longe; a sua vida não é digna!» Aliás, nenhum parlamento tem direito a avaliar e legislar sobre a vida. Isto é a determinar que há vidas que se podem descartar ou que não são dignas; mesmo que se diga que é para respeitar a autonomia e a liberdade.

5) A «solução» da eutanásia, no estádio actual da medicina (do acompanhamento psicológico e espiritual, dos cuidados paliativos, das possibilidades de enquadramento social, etc.), seria uma saída completamente reaccionária e violenta. Sim, num estádio anterior de civilização, cultural e socialmente falando, talvez se pudesse entender os defensores da «boa morte» ou até os «abafadores». Mas, hoje, é difícil de aceitar o matar como um bom caminho. É claro que é preciso compreender a dor de quem acompanha a doença prolongada de uma pessoa querida sem ver saídas rápidas e eficazes. Mas os cuidados paliativos também atendem e apoiam o contexto familiar da pessoa em processo terminal, mais ou menos prolongado.

6) Há ainda um outro perigo ou tentação. A eutanásia pode dar dinheiro! Poupar nos gastos com velhinhos ou deficientes, ter mais facilmente espaço e camas para outros com mais possibilidades e mais ricos, poderia ser um razoável negócio, dentro de uma cultura de morte que elimine quem não é útil, quem não produz, ou quem é considerado um peso demasiado. Nessa cultura, seriam os próprios infelizes, pobres e feios a pedir a eutanásia, não encontrando lugar num «desejável mundo cosmeticamente limpinho». Os totalitarismos já fizeram essa experiência e não deu resultado. Como seria «O admirável mundo novo» dos «eutanasistas»?

7) Morte assistida! Todas as mortes devem ser acompanhadas com cuidado respeito e afecto: não assistidas como quem vê o espectáculo, mas como quem vive solidário esse momento tão importante de cada vida humana. Porquê trocar os nomes à realidade? Para enganar quem? Se estou a facilitar e dar condições para que alguém se suicide, não é suicídio assistido, é conivência e participação. Se estou a «eutanasiar» outra pessoa, ainda que com todo o jeito e preparação, estou a matá-la. Mesmo que tenha sido a seu pedido, não é assistência, é ser autor «responsável». Para quê branquear o acto de matar com o título de «morte assistida»? Se é preciso perceber o que se quer dizer com «mata-me!», também é preciso desmascarar o que se quer dizer com «dou assistência à tua morte!»

Como é possível que, num mundo cheio de mortes por ideologias fanáticas e doentes que pretendem um mundo limpo de infiéis, sem dignidade nem lugar, estejamos, nós, a discutir como matar para eliminar o sofrimento! Que atraso civilizacional!






Gratuito?

Não acredite porque alguém vai pagar a factura


Paulo Ferreira, Observador, 8 de Abril de 2016

O «espírito SCUT» está vivo e, aqui e ali, reaparece travestido de várias formas. Ele reencarnou nos manuais escolares «gratuitos» e nos mega-descontos da CP, por exemplo.

Lembram-se das SCUT? Eram as auto-estradas «sem custo para o utilizador». Não tinham portagens, não se pagava nada para lá circular. Mas como não há milagres, embora muitos governantes gostem de fazer passes de mágica, a factura era paga por alguém. Neste caso, pelo contribuinte. Funcionava assim, através das famosas parcerias público-privadas: o Governo lançava o concurso, os privados construíam e suportavam esse investimento e depois ficavam com a concessão da estrada a troca de umas centenas ou milhares de milhões de euros anuais durante esse período de concessão que durava cerca de 30 anos. Passassem por ali dois mil ou apenas dois carros por hora os privados tinham a sua confortável rentabilidade assegurada. Sem risco, porque o Estado cobria a falta de procura. E ainda pagava a manutenção.

Foi assim que enchemos o país de «AA qualquer coisa», depois da fantástica descoberta do modelo no governo de António Guterres.

Eram, portanto, sem custos para o utilizador mas com muitos custos para o contribuinte. Tantos que quando as contas do Estado se tornaram insuportáveis de sustentar não houve outro remédio senão instalar pórticos de portagem, passando os automobilistas a pagar o que até então era um encargo de todos os contribuintes, tivessem carro ou não, circulassem por ali ou não.

Não aprendemos grande coisa com isso. O «espírito SCUT» está vivo e, aqui e ali, reaparece travestido de várias formas.

Dizem-nos que os manuais escolares vão passar a ser gratuitos para todos os alunos do 1.º ano já no arranque do próximo ano lectivo.

Que os livros sejam suportados pela Acção Social Escolar para todos os que, comprovadamente, não os podem comprar é inquestionável. Ninguém pode deixar de ter as condições mínimas de estudo por questões económicas e se o Estado Social serve para alguma coisa esta está no topo das prioridades. Isso já acontece, colocando manuais escolares à disposição dos beneficiários.

Também é inquestionável que uma das prioridades é acabar com a renda que as editoras recebem à custa das famílias, obrigando-as a comprar manuais e livros de actividades novos em cada ano lectivo, num negócio que conta com a cumplicidade de quem decide e aprova os manuais para cada ano – sobre isto é obrigatório ler este texto de António Araújo.

Mas não é isso que vai ser feito. Os manuais passam a ser «gratuitos» para quem os utiliza mas são pagos pelo Estado, portanto por todos os contribuintes, às editoras, que mantêm o seu negócio. Como a medida vai ser universal, as famílias mais abastadas serão tão beneficiadas como as mais carenciadas. É o mesmo truque de magia das SCUT. Neste caso a factura não é paga na livraria mas sim na repartição de finanças.

Outro exemplo. Há semanas, no meio da «guerra» comercial das ligações aéreas Lisboa-Porto – sobretudo depois dos preços de saldo que a Ryanair e a Easyjet começaram a cobrar nessa rota – a CP decidiu entrar na liça. Anunciou descontos de 65% nos bilhetes comprados com uma semana de antecedência que, no caso da classe turística do Alfa, passam de 30,30 euros para 11 euros. É óptimo que a CP tenha uma forte dinâmica comercial, que melhore os seus serviços e tente cativar passageiros. Mas há aqui um pequeno detalhe: a CP é uma empresa pública, historicamente deficiária e com uma dívida monstruosa. Adivinhem, portanto, quem paga as perdas de receita que não sejam compensadas com corte equivalente de custos: se respondeu «o contribuinte», acertou.

Em 2014 (as contas do ano passado ainda não estão disponíveis) a CP teve prejuízos de 161 milhões de euros, fechou com uma dívida acumulada de 4,5 mil milhões de euros e manteve-se tecnicamente falida, com capitais próprios negativos de 3,6 mil milhões de euros — isto quer dizer, grosso modo, que se a empresa tivesse sido fechada nessa altura a factura que sobrava para os contribuintes era essa, de 3,6 mil milhões de euros.

Ou seja, os descontos de que os passageiros beneficiam na CP não serão pagos por mais ninguém senão os contribuintes.

Eu, que não hesito em preferir o comboio sempre que vou ao Porto — é tão rápido e mais barato do que o automóvel, é cómodo, permite que se vá a trabalhar durante a viagem com a rede wifi disponível e deixa-nos nos centros das cidades — agradeço a amabilidade e o desconto, que aproveitarei com prazer. Duvido é que o meu vizinho da frente, que nunca precisa de viajar no Alfa, sinta o mesmo prazer por pagar uma parte substancial do meu bilhete de comboio quando desconta o IRS e paga o IVA no supermercado para suportar as promoções de uma empresa pública cronicamente deficitária.

Nestas coisas, há um princípio de que nunca devemos abdicar: nunca acreditar quando um governante ou um decisor do Estado diz que alguma coisa vai ser gratuita ou mais barata. O que ele está a querer dizer é que a factura vai ser camuflada e paga por outros. Os contribuintes, obviamente.





sexta-feira, 8 de abril de 2016

O estado a que isto chegou...

O estado a que isto chegou... Francisco Louçã, um tipo do trotskismo — a sarjeta do comunismo — no Conselho de Estado da Nação!



quarta-feira, 6 de abril de 2016


Um problema chamado Passos Coelho


Rui Ramos, Observador, 6 de Abril de 2016

O PSD é, neste regime, a grande alternativa ao PS, ou então não é nada: quem é que precisa de uma «equipa B» do PS? O PSD está, por isso, destinado a gerar ideias contrárias à actual governação.

No fim do congresso do PSD, as televisões cercaram o representante do PCP. O comentário saiu como deve ter sido ensaiado no comité central: «o PSD não aprendeu nada com a derrota de 4 de Outubro». Resume perfeitamente o problema: é que o PSD, para azar de todos, não perdeu a 4 de Outubro. Perdeu a 10 de Novembro, o que é muito diferente, e aprendeu então tudo o que tinha a aprender.

Tudo isto faz muita confusão à oligarquia. Ainda não percebeu porque é que Passos Coelho, depois de quatro anos de ajustamento, só perdeu a maioria, mas não as eleições. E também ainda não percebeu o que, depois de ganhar as eleições, mas perder o governo, ele pode fazer na oposição. Por isso, a nova maioria trata-o como o espectro no banquete de Macbeth. Gostaria que ele se fosse embora. Inventa-lhe rivais, escolhe-lhe sucessores. Os oligarcas têm medo. Como explicar que o PS não tenha ganho as eleições, que o BE e o PCP tenham tido em 2015 menos votos do que em 2009, e que as sondagens não pareçam estar a premiar o «fim da austeridade»? Estará a opinião pública, depois da bancarrota de 2011, menos susceptível ao velho «modelo» do consumo, tanto mais que, sob a vigilância europeia e com o presente nível de endividamento, são improváveis os extremos do passado? E nesse caso, que poderá acontecer se as coisas correrem mal, ou simplesmente não correrem brilhantemente?

Passos não é um demagogo, um espalha-brasas. No seu discurso de encerramento do congresso, desconvocou qualquer «querela constitucional», e até tirou o chapéu aos «senhores doutores juízes». Gastou imenso tempo com as autárquicas e com os Açores, em homenagem aos mandachuvas locais do partido. Mas Passos não tem escolha, tal como nenhum outro líder do PSD teria: vai ser obrigado a produzir uma alternativa à maioria social-comunista.

Por isso, a discussão sobre a «social-democracia» do PSD é ridícula. Politicamente, o PSD é, com o CDS, a alternativa ao PS e à esquerda, ou então não é nada: quem é que precisa de uma «equipa B» do PS? O PSD está, por isso, condenado a desenvolver ideias contrárias à actual governação. No momento actual, é a ideia de que a melhor estratégia é criar confiança para atrair investimento, e diminuir a carga fiscal e burocrática do Estado, «como forma de libertar o potencial de crescimento da economia portuguesa». A questão é se saberá dar-lhe o devido protagonismo e eloquência.

Intermitentemente, o PSD e o CDS também significaram outra coisa: um desafio aos interesses instalados. Foi assim no fim da década de 1970, nos tempos da reforma agrária, das nacionalizações e do conselho da revolução. E poderá ser assim também agora, quando o equivalente das terras e das fábricas ocupadas são as escolas e os transportes públicos entregues pelo governo PS aos sindicatos comunistas. Por enquanto, o dinheiro do BCE mantém os mercados à distância e viabiliza o modelo do consumo e o apaziguamento do PCP. Mas até quando?

Um rei forte não faz forte a fraca gente. Mesmo no tempo de Sá Carneiro, uma grande parte da liderança do PSD não se entusiasmou com o papel de desmancha-prazeres. Sim, talvez fosse mais cómodo chegar-se ao PS, ajudar a melhorar a gestão do que existe. O lugar de suplente da actual maioria, para votar o que o BE e o PCP não quiserem, está disponível. Mas todas as lideranças que submeteram o PSD à estratégia do PS acabaram por falhar: Sousa Franco em 1978, ou Mota Pinto em 1983-1985. Com ou sem Passos, o PSD não pode escapar ao seu destino. A menos que decida desaparecer.

NOTA DA REDACÇÃO:

Tudo certo excepto no útimo parágrafo, quando coloca o exemplo do PSD com Mota Pinto a subordinar-se ao PS em 1983-1985. Estando a teoria de Rui Ramos certa — o que nos parece —, a prova como Mota Pinto não se subordinou ao PS é que o PSD ganhou as eleições seguintes, em 1985...

Rui Ramos não conhece os factos e as circunstâncias da coligação PS-PSD nesse período. Só assim se pode compreender a sua afirmação.