terça-feira, 25 de abril de 2017

O mito de Aristides Sousa Mendes, os novos heróis e o aniversário de Abril…


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador 25/4/17

«Navegar é preciso, viver não é preciso»;
«Ó Portugal, hoje és nevoeiro…»
«Senhor, falta cumprir-se Portugal!».

Fernando Pessoa

O Mito de Aristides Sousa Mendes (ASM) que o actual PR resolveu agitar de novo, ao condecorá-lo no passado dia 3 de Abril, a propósito do 63.º aniversário do seu passamento (!), também se pode relacionar com a efeméride anual do golpe de estado militar, florido a cravos, que virou revolução, conduzida pelo PC (fazemos apócope do segundo «P», pois chamar «português» a uma organização subversiva, que esteve ao serviço de uma potência estrangeira, desde 1921 – a URSS – causa-nos alguns pruridos) e anarquizada por outras forças de extrema-esquerda.

Após o incompleto 25 de Novembro de 1975, assentou arraiais, um regime úbere em mazelas, baseado numa Constituição peca, palavrosa e até antidemocrática, regime que se sedimentou através de distribuição de dinheiro emprestado e muitos negócios ruinosos e corruptos.

Lavaram o cérebro aos cidadãos através de muita mentira política, social e histórica, e estribilhos de grande efeito sonoro e «progressista», como «liberdade», «antifascismo», «abaixo a reacção», «democracia», «modernidade», «direitos e mais direitos», etc..

Sem nunca se ter intuído e interiorizado o verdadeiro significado dos termos, doutrinas e conceitos.

E sem nunca terem julgado ninguém![1]

As pessoas passaram, de facto, a viver melhor mas com riqueza que não produziram, não lhes pertencia e pelo desbarato de todas as reservas acumuladas. Que não eram pequenas.

Sem embargo, o regime não tinha heróis.

Passado o fugaz deslumbre dos «capitães» – cuja maioria nunca se deu conta verdadeiramente daquilo em que se metera – e de dois generais que emergiram do golpe, Spínola e Costa Gomes que, célere, foram promovidos a Marechais.

Direi que indevidamente, o primeiro por ter ajudado a desencadear um evento que não conseguiu controlar e que o ultrapassou e, ainda, pela vaidade que lhe embotou o senso; o segundo por falta de carácter e lealdade, como as duas alcunhas por que era conhecido, tão bem ilustram: «rolha» e «judas». (Ainda hoje ninguém sabe ao certo o que é que este oficial de cavalaria – que não gostava de montar a cavalo – foi, na realidade, e para quem «trabalhou»).

Ambos por terem grandes responsabilidades na leviana destruição de um conceito de Nação Portuguesa que tinha cerca de 600 anos.

Sem embargo de o terem obrado defender militarmente, com uma competência técnica acima da média.

Porém, o que falta ao actual regime em heróis sobra-lhe em traidores, desertores, infamados e desclassificados.

A legião de corruptos perde-se de vista bem como os de vira-casacas (assim a modos como os «adesivos», no dia 6 de Outubro de 1910…).

Fora isto, restavam uns pseudo heróis de pacotilha, que se tinham entretido a colocar bombas nas ruas, ou a tentar prejudicar o esforço de guerra; assaltar bancos e piratear aviões e navios (entretanto recompensados com pensões e medalhas).

Seguiu-se um general que tinha participado no golpe de estado de 28 de Maio de 1926, servido com extremoso entusiasmo o regime que se seguiu e depois veio a atraiçoar, por razões menos nobres.

Já o encafuaram no mausoléu de Santa Engrácia, mas só foi fazer má companhia aos que lá estão.

Espero que, ao menos, não o tenham colocado ao lado do Aquilino Ribeiro…

Restam as «Catarinas Eufémias» da propaganda leninista, agora transmutada na subversão mais adequada à psicologia da burguesia, com origem no Gramsci e na Escola de Frankfurt. Mesmo assim o PC não simpatiza nada com esta moda…[2]

Além disto o regime nasceu aviltado por uma Junta de Salvação Nacional que não fez (e não conseguiu fazer) nada do que se tinha proposto – o célebre Programa do MFA – e rapidamente se alienou.

Um regime, cujos próceres, infligiram ao próprio país uma derrota política e militar, quando se estava a controlar e a ganhar a guerra em todas as frentes e que estava a ser combatida de uma forma competente e patriótica, como já não se assistia desde que Afonso de Albuquerque entregara a alma ao criador, frente a Goa, em 1515 (e mesmo este fartou-se de ser atraiçoado em Lisboa…).

E não contentes em terem provocado uma debandada de pé descalço, vergonhosa, ainda ficaram ufanos dela![3]

A Primeira República tinha-se fundado num crime de regicídio, num levantamento armado civil/militar, ilegal, organizado por um Partido legalmente constituído (o Partido Republicano) e por uma organização paramilitar clandestina – a Carbonária – mancomunada com aquele e com o Grande Oriente Lusitano. Regime que nunca se referendou.

A Terceira República alicerçou-se na tragédia inominável da «Descolonização» e na utopia dos «amanhãs que cantam», atroando os ares com a cançoneta da liberdade. A liberdade dos cemitérios.

Vivemos melhor? Materialmente vive-se melhor, é certo. Mas temos uma dívida impagável, crescemos em média 1,5% a 2% ao ano, temos 10% de desemprego 120 000 emigrantes/ano e demografia negativa.

E deixámos de ser donos do nosso destino (afinal onde está a liberdade?).

Mas vivemos melhor…

O que não quer dizer que se não houvesse golpe de estado em 25/4/74, também não o conseguissemos.

Pelo menos, na altura, o País crescia a 7% (no Ultramar era mais); o escudo era a 6.ª moeda mais forte do mundo e estava escorada em 850 toneladas de ouro e 50 milhões de contos em divisas).

O desemprego era quase inexistente bem como a dívida externa. Não havia dificuldade de crédito e os recursos eram imensos…

Esquecia-me de dizer que tudo isto acontecia «apesar» de existirem 230 000 homens em armas, espalhados por quatro continentes e quatro oceanos e a combater há 14 anos em três teatros de operações distintos (Angola, Moçambique e Guiné).

Convenhamos que o prato da balança era mais favorável…

Na altura o «espelho» da Nação era o Exército.

Agora o espelho (muito baço e riscado) é o futebol.

Daí não ser de estranhar que muitos dos «heróis» estejam a ele associados.

E nem vou entrar nos aspectos morais e cívicos que impregnam a sociedade que este regime enformou e promoveu.

Havia pois, uma necessidade desesperada, de arranjar um herói.

Aristides Sousa Mendes (ASM) caiu neste cenário como mel na sopa.

E que perfil ideal lhe arranjaram: perseguido pelo Regime «obscurantista» do Estado Novo e pelo «tenebroso» chefe de governo que o edificara; um desobediente por uma justa causa; um homem corajoso que se manteve fiel à sua consciência; um humanista; um lutador pela paz; uma alma sofrida por uma causa humanitária; um injustiçado que acabou na miséria; enfim, um justo. E só tardiamente reconhecido![4]

A sua mistificação continua pois, de vento em popa e ainda há muito a esperar deste filão, sobretudo se tiver a ajuda de uns rabis fervorosos e uns católicos ingénuos (alguns nada ingénuos).

É caso para o Pessoa, se fosse vivo e observasse o quadro, afirmasse:

— «Olha, toda a gente a querer viver e ninguém a querer navegar»;

— «Eh pá continua uma morzeta dos diabos, não vejo nada…»;

— «Ó Portugal, quando é que tu te cumpres?»

Ainda não é a hora…


[1] Minto, houve um «julgamento» do almirante Tenreiro e absolveram-no.

[2] A pobre da Catarina (outro mito) não tinha nada a ver com qualquer protesto nem era militante de coisa alguma. Estava no sítio errado, na altura errada e morreu acidentalmente, com uma bala perdida da pistola-metralhadora do comandante da força da GNR presente, Tenente Carrajola, que caiu no chão e se disparou inadvertidamente. Consta que os militares quotizaram-se, até, para pagar o funeral à vítima.

[3] Enfim, este aspecto até acaba por ser o mais mirabolante de tudo o que se passou!...

[4] Sobre este personagem favor ler o artigo «São Seguidas», que publiquei em 14/4/17.





sábado, 22 de abril de 2017

PPD-PSD: da crise de valores à crise de comadres


Luís Lemos

Enquanto os militantes e os eleitores fiéis do PPD-PSD aguardam ansiosamente o combate à geringonça que desgraça Portugal, as cúpulas do Partido digladiam-se.

Mas não por esta ou aquela causa nobre ou supostamente nobre.

Digladiam-se movidas por imediatos interesses pessoais dos membros dessas seitas.

Seitas secretas ou às claras, económicas ou de carreiras, «socialmente correctas» ou criminosas, ou tudo ao molho.

Uma vergonha.

Esta triste realidade é particularmente visível na Concelhia e na Distrital de Lisboa.

Gente completamente desqualificada candidata-se, recandidata-se, manobra...

Não faltam os apoios de ditos «notáveis», em socorro desta ou daquela seita, em que o Santana dá o mote.

Lá para cima, o eutanasista Rui Rio, em representação de outra seita, espreita a sua oportunidade.

Para candidata à Câmara de Lisboa foi escolhida a conhecida apoiante do lóbi homossexualista Teresa Leal Coelho (a colega do famoso Vale e Azevedo), já na continuação do «coordenador» José Eduardo Martins, outro  apoiante do referido lóbi.

E os seus críticos não são melhores, apenas pertencem à concorrência interna.

Em que ficamos?

Em que estado está o PPD-PSD?

Onde estão as causas de tudo isto?

Que fazer perante tudo isto?

Portugal Laranja tem a resposta.

https://sol.sapo.pt/artigo/559321/psd-lisboa-teresa-leal-coelho-impoe-nomes-para-as-24-juntas





Suécia teme a agressividade de Moscovo e intensifica rearmamento


Revista Catolicismo, n.º 796, 20 de Abril de 2017

A Suécia, que nutria até há pouco um pacifismo visceral, agora, diante da agressividade de Putin, restabeleceu o serviço militar obrigatório. As provocadoras manobras da marinha e da força aérea russa nas fronteiras do país escandinavo geram grande temor.

Nova lei dispõe o alistamento de 13 000 dos 88 000 jovens nascidos em 1999. O Ministério da Defesa calcula que a partir de 2023 precisará anualmente de 8 000 soldados a mais. Setenta por cento dos suecos declararam-se favoráveis a esse recrutamento.





quinta-feira, 20 de abril de 2017

EUA e China frente a frente com as ameaças da Coreia do Norte


A Coreia do Norte intensificou as ameaças de ataque nuclear aos E.U.A..
Os mísseis são feitos com partes
 contrafaccionados ocidentais passadas pela China

Luis Dufaur, Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, 19 de Abril de 2017

Após insistentes provocações nucleares e missilísticas a Coreia do Norte caminhava a achar que vivia na era da impunidade que a moleza de Barack Obama lhe tinha garantido.

Mas agora, uma frota liderada pelo porta-aviões USS Carl Vinson navega à distância de fogo das suas paupérrimas, mas eriçadas bases militares.A Agência Central de Notícias de Pyongyang achou «ultrajante» a manobra escreveu o «Chicago Tribune».

A presença de navios de guerra americanos na região é habitual, mas o secretário de Estado americano Rex Tillerson esclareceu: «Se alguém viola os acordos internacionais, não cumpre os seus compromissos, e se  transforma numa ameaça para os outros, num dado momento alguma resposta lhe deve ser dada», acrescentou o «Chicago Tribune».

A China percebeu logo que as intimidações do ditador norte-coreano Kim-Jong-Un com os seus mísseis contrafaccionados e de pontaria não demonstrada de pouco servem. Então decidiu intervir sorrateiramente.

De facto, a China constitui o grande problema por trás do exibicionismo e a arrogância de Pyongyang.

Segundo o jornal chinês «The Epoch Times» editado em Nova Iorque, fontes dos media sul-coreanos dizem que 150 mil médicos e pessoal de apoio do Exército de Libertação Popular (ELP) da China foram mobilizados ao longo do rio Yalu, que a separa da Coreia do Norte.

Esta mobilização foi precipitada pela movimentação do grupo naval liderado pelo porta-aviões Carl Vinson, que se encaminhou para a Península Coreana em 8 de Abril, mudando o seu rumo original.

O presidente dos E.U.A. Donald Trump e o líder chinês Xi Jinping  encontraram-se na Flórida entre os dias 6 e 8 de Abril. E foi num jantar que o chinês ficou a saber que o americano tinha ordenado bombardear a Síria, escreveu «The Guardian».

O recado foi claro. Xi Jinping saiu satisfeito com as conversações e comprometido a conduzir a crise nuclear norte-coreana a uma conclusão pacífica.

Mas Xi percebeu logo o que pode acontecer na Coreia. Ele sabe que a China nem sequer tem como enfrentar militarmente os E.U.A.. Mas os imensos investimentos ocidentais no seu território são uma arma de chantagem de primeira magnitude.

O grupo de tarefas do USS Carl Vinson navega no Mar do Sul da China
Pyongyang esbravejou expressando confiança no seu «tremendo músculo militar com força nuclear» para se defender caso os E.U.A. escolham uma opção militar.

A Coreia do Norte, ditadura comunista e um dos regimes mais repressivos do mundo tem graves dificuldades para alimentar basicamente a quem não é do Partido Comunista.

Embora a sua infra-estrutura industrial e tecnológica seja deplorável, já detonou pelo menos cinco bombas nucleares subterrâneas e testou mísseis civis e militares que seriam capazes de atingir os E.U.A..

Num desses testes, a marinha da Coreia do Sul recuperou partes completas dos motores de um míssil que caiu no mar. As peças foram analisadas por especialistas internacionais, noticiou «The Washington Post».

Os testes constataram que muitas partes terminantes, incluindo software e peças vetadas à venda para a Coreia do Norte, tinham sido adquiridas no exterior usando empresas chinesas como intermediários.

O Unha-3 que pôs em órbita o satélite Kwangmyongsong-4 em 7 de Fevereiro de 2016, foi o mais poderoso feito pelo regime de Kim Jong Un. Media mais de 30 metros de altura e era capaz de despejar engenhos nucleares em cidades remotas como Washington.

Nos restos do Unha-3 foi recuperado um vasto leque de partes electrónicas fabricadas em países ocidentais e encaminhadas para a Coreia do Norte pela própria China.

A contrafacção não impediu que explodisse logo após a ignição o míssil agendado para partir durante as espalhafatosas manifestações militares pelo aniversário do ditador Kim-Jong-Un.

A Coreia do Norte «é um regime imprevisível e agora tem capacidade nuclear», disse o assessor de segurança nacional tenente-general H. R. McMaster no Fox News Sunday.

«O presidente Xi e o presidente Trump concordaram que isso é inaceitável, o que deve acontecer é a desnuclearização da Península Coreana».

Em 10 de Abril, o presidente Trump indicou numa mensagem de Twitter: «expliquei ao presidente da China que um acordo comercial com os E.U.A. será muito melhor se eles resolverem o problema da Coreia do Norte!»

E acrescentou: «a Coreia do Norte está à procura de problemas. Se a China decidir ajudar, isso seria óptimo, se não, resolveremos o problema sem eles!»

O aniversário do ditador foi um paroxismo de exibicionismo e intimidações
A Coreia do Norte com as costas quentes pela China não arreda e anuncia mais uma explosão nuclear no seu campo de testes nucleares subterrâneos de Punggye-ri, área montanhosa no nordeste do país.

Actividade inusual, inclusive um visita do jacto privado do ditador, foi fotografada por satélite, segundo «The Washington Post».

Simultaneamente, os E.U.A. lançaram a sua mais potente bomba não-nuclear sobre um conjunto de túneis e cavernas do Estado Islâmico em Achin, província de Nangarhar, Afeganistão, perto da fronteira com o Paquistão.

Foi a primeira vez que os EUA usou a bomba GBU-43 MOAB (Massive Ordenance Air Blast) em conflito conhecida como a «mãe de todas as bombas» pelas suas 11 toneladas de explosivos.

Nos mesmos dias a imprensa americana revelou o momento em que presidente Trump comunicou o bombardeamento da Síria ao presidente Xi Jinping, com quem jantava.

Trump também comentou, aliás pouco polidamente: «Acredito que faremos muita pressão sobre a Rússia para que garanta que teremos paz, porque francamente se a Rússia não tivesse apoiado esse animal (o ditador da Síria), agora nós não teríamos problemas», segundo o «The New York Times».

Já aconteceu na Síria… O que pode acontecer na Coreia do Norte e no mundo?





terça-feira, 18 de abril de 2017

Dentro e fora do país, aumenta a saturação em relação a Putin


Protestos contra a corrupção em 99 cidades da Rússia
foram animados pelos jovens

Luis Dufaur, Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, 17 de Abril de 2017

Manifestações contra a corrupção predominante no Kremlin reuniram em Março muitos milhares de pessoas em quase cem cidades da Rússia. A aglomeração e a multiplicidade de locais deixaram espantados os opositores e situacionistas.

O Kremlin que sabia do mal-estar espalhado na Rússia, entretanto, não conseguia esconder o espanto diante da dimensão do protesto. Surpreso também ficou Alexei Navalny o dissidente que convocou as marchas.

Alexei Navalny e cerca de 700 seguidores foram presos pelo aparato repressivo enquanto os manifestantes foram atacados com gás pimenta e cassetetes segundo a organização OVD-Info.

Para a polícia «só» 500 foram encarcerados. O recurso à brutalidade com os opositores não é novidade na Rússia nem para uns nem para outros.

Navalny tinha publicado um relatório acusando o primeiro-ministro Dmitri Medvedev de liderar um império imobiliário em benefício dos chamados oligarcas que rodeiam o presidente Vladimir Putin.

O vídeo sobre o inquérito e a corrupção das elites foi visualizado por 11 milhões de vezes no YouTube antes das marchas populares, noticiou «Le Fígaro» de Paris.

As manifestações populares foram proibidas pela polícia em 72 das 99 cidades previstas. Mas os populares saíram em massa até em cidades da província onde não se podia suspeitar de tanto descontentamento como Irkutsk, Tomsk, Krasnoiarsk, ou Novossibirsk na Sibéria, acrescentaram «Le Figaro» e o «The Wall Street Journal».

Violência repressiva prendeu centenas de manifestantes 

Em Moscovo os manifestantes encheram a rua Tverskaïa, uma das principais avenidas da capital.

«O País está farto da corrupção», disse Natalia Demidova, 50 anos. «Eles roubam e mentem, mas as pessoas são pacientes. Esta manifestação é o primeiro impulso para as pessoas reagirem» comentou Nikolai Moissei, operário de 26 anos.

Em São Petersburgo, segunda cidade da Rússia, 4 000 pessoas reuniram-se apesar da proibição e as ameaças da polícia presente com excessivo número.

«Estamos fatigados pelas mentiras, é preciso fazer qualquer coisa», explicou Serguei Timofeiev, de 23 anos.

O líder oposicionista Navalny foi preso com violência, mas achou isso «compreensível»: «os ladrões defendem-se desta maneira. Mas não podem prender todos os que são contra a corrupção porque são milhões», reportou o jornal parisiense.

As televisões do Estado cumpriram um perfeito silêncio sobre os acontecimentos.

O «The Wall Street Journal» informou que as multidões cantavam «Rússia sem Putin» inclusive diante do Ministério da Polícia.

A rádio «Eco de Moscou» falava em multidões muito maiores dos milhares reconhecidos pela polícia.

O mal-estar na Rússia está em aberta contradição com os inquéritos oficiais que atribuem a Putin mirabolantes índices de popularidade.

O departamento de Estado em Washington contentou-se com uma severa condenação da violação dos direitos humanos, mas, como é habitual em relação aos governos de esquerda não foi além do exercício verbal.

«Bandido deveria estar na cadeia», repetia com a multidão Anna Tursina em Moscovo. «Não gosto da Rússia que nós temos e da corja que está no poder. Não há dinheiro para a educação, a ciência, as crianças, mães e anciões», acrescentou.

O «New York Times» comparou os protestos na Rússia com as manifestações havidas no Brasil pelo impeachment de Dilma Rousseff e ao apoio à Operação Lava Jato.

«Os jovens deixam apatia e assustam o Kremlin» foi um dos cabeçalhos do jornal nova-iorquino, citado pela «Folha de S. Paulo».

Os macromedia oficiais, na Rússia e no Ocidente, tentaram abafar os factos

Um dos factos mais surpreendentes até para os líderes dos protestos foi a juventude dos presentes: um grande número era composto de adolescentes ou jovens na faixa dos 20, observou «The New York Times».

Para o jornalista Artyom Troitsky que acompanhou muitos anos a cultura jovem russa, o engajamento da juventude nos protestos foi «excepcionalmente importante». Saíram da apatia e isso é sinal de que «algo está mudando definitivamente».

O jornal pró-socialista «El País» de Madrid, constatou o fenómeno com amargura no editorial «Cansados de Putin». Para ele os acontecimentos marcam a recusa do autoritarismo vivido pela Rússia sob Vladimir Putin.

Astuciosamente, o jornal de esquerda recomendou ao presidente russo não ignorar o descontentamento de incontáveis russos e não se limitar a acusações e medidas repressivas contra o dissidente Navalny.

Estas poderiam-lhe resultar contraproducentes em virtude das contundentes provas apresentadas por Navalny sobre o império imobiliário de Medvedev, financiado por oligarcas e outros interesses obscuros.

«El País» observou a «constante ingerência russa nos processos democráticos actuais e na política dos países da Europa», e até na campanha eleitoral dos EUA. E observou com preocupado interesse o facto de que «Putin vincula-se a forças reaccionárias, como as representadas por Marine Le Pen em França e Viktor Orbán na Hungria».

O jornal socialista recomendou-lhe «regenerar um sistema que se distancia cada vez mais dos usos democráticos, em vez de tentar influir noutros».

E aconselhou a Putin não se enganar com o silêncio a que foi reduzida a sociedade russa. Porque, «dentro e fora do país, aumenta a saturação em relação a Putin», concluiu.





segunda-feira, 17 de abril de 2017

Revelada tentativa russa de assassinar o primeiro-ministro de Montenegro

Nemanja Ristic, um dos conspiradores,
fotografado perto do ministro do exterior russo
Sergei Lavrov em visita à Sérvia

Luis Dufaur, Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, 31 de Março de 2017

O governo russo teria montado um atentado para assassinar o primeiro-ministro de Montenegro, Milo Djukanovic, revelou «The Daily Telegraph», citando fontes do Foreign Office.

Os dados da investigação foram revelados com detalhes
em Fevereiro (2017).

Moscovo teria excogitado um golpe contra o Parlamento na véspera do ingresso do pequeno país na NATO.

Para o ministro russo das relações exteriores Sergei Lavrov, a culpada pelas tensões é a NATO que, segundo ele, é uma «instituição da Guerra Fria» cujo expansionismo estaria forjando níveis de tensão sem precedentes na Europa nos últimos 30 anos. A Rússia seria inteiramente inocente.

O crime deveria ter sido perpetrado em 16 de Outubro de 2016, mas fracassou quando um dos assassinos contratados, o ex-polícia montenegrino Mirko Velimirovic, se arrependeu e denunciou a trama poucas horas antes da sua realização.

Dois agentes da inteligência militar russa, Eduard Shirokov e Vladimir Popov, estão a ser procurados pela Interpol.

Eles teriam recrutado uma rede de nacionalistas sérvios capitaneados por Aleksandar Sindjelic, implicado em operações separatistas na Ucrânia, para executar um maquiavélico e sanguinário crime colectivo. O governo russo teria montado um atentado para assassinar o primeiro-ministro de Montenegro, Milo Djukanovic, revelou «The Daily Telegraph», citando fontes do Foreign Office.
Um dos nacionalistas sérvios pró-Putin
que estaria envolvido no falido putsch

Segundo o polícia arrependido, o plano consistia em se infiltrarem numa manifestação da oposição, a Frente Democrática, e incitar a multidão a invadir o Parlamento.

Vários nacionalistas sérvios vestidos com uniformes da polícia de Montenegro iriam disparar contra o povo exaltado com as suas espingardas de assalto.

O mata-mata serviria de biombo e pretexto do crime planejado: os conspiradores a mando da Rússia tinham a missão de «não só capturar, mas acabar com a vida» do primeiro-ministro pró-ocidental Milo Djukanovic. Assim ficou registrado no depoimento oficial do agente arrependido.

Mais de 20 pessoas foram presas acusadas de terrorismo e «preparação de actos contra a ordem constitucional de Montenegro».

A intervenção da Rússia nos países da antiga esfera de influência de Moscovo com a cumplicidade de simpatizantes putinistas vem-se tornando habitual e causa grave preocupação no Ocidente.

O ministro da Defesa montenegrino Predrag Bosković, disse que «não há dúvida alguma» de que o golpe foi montado por oficiais da inteligência da Rússia associados com activistas nacionalistas locais.

Obviamente o putinismo irreflectido desses nacionalistas favoreceu a trama.

O primeiro-ministro de Montenegro
Milo Djukanovic escapou por pouco
de atentado mortal planejado em Moscovo
Um dos conspiradores, de nome Nemanja Ristic, fora pouco antes fotografado perto do ministro do exterior russo Sergei Lavrov em visita à Sérvia.

Moscovo vinha tentando intimidar o Montenegro para abandonar o plano de ingresso na NATO.

Também o Kremlin vinha investindo milhões de libras esterlinas para financiar a vitória eleitoral de um partido nacionalista pró-russo que faz a apologia das posições de Moscovo contra um suposto conluio mundialista globalista ocidental, capitalista e pró-americano.

O primeiro ministro Milo Djukanovic acabou por ser substituído por Filip Vujanovic, do mesmo partido. Mas o golpe demonstra «a mudança substancial do Kremlin visando interferir nos países da Europa» que se inclinam para a democracia, explicou o ministro da Defesa britânico Michael Fallon.

Montenegro tem apenas 600 000 habitantes e obteve a independência da Sérvia em 2006, candidatando-se logo para ingressar na NATO e na União Europeia e obter assim um guarda-chuva protector em face da vingativa política
de Vladimir Putin.

O pequeno país possui quase 300 quilómetros de costa no Adriático de alto valor estratégico.

O quebra-cabeça dos Bálcãs voltou a assombrar as relações europeias, patenteando a inescrupulosa actividade dos serviços secretos russos que estão a recuperar o protagonismo do tempo da URSS.





domingo, 16 de abril de 2017

Jornalista portuguesa em Inglaterra denuncia jornalismo de Portugal


Mara Alves, 12 de Abril de 2017









COMUNICADO


Olá a todos, em virtude da reportagem da TVI Intitulada «O Novo Muro» acerca do Brexit que eu e o meu marido participámos, sou obrigada a escrever estas palavras, não só para reparar a verdade, como para poder descansar quem da minha rede de amigos tem enviado mensagens de indignação sobre o que viu.

O meu pai tem 76 anos e depois de ver esta reportagem ficou com medo de eu viver em Inglaterra, teme pela minha segurança. Por isso tenho obrigação de fazer este esclarecimento.

Comecemos pelo inicio, quando o jornalista nos contactou acerca da reportagem foi nos garantido que iriam abordados os dois lados, emigrantes que se sentem menos confortáveis com o Brexit e outros, quem como nós estão tranquilos.

Ao vermos ontem a reportagem, somos apanhados de surpresa, quando verificamos que o seu todo, se resume ao racismo e à xenofobia, por parte de ingleses a portuguesa. Ora bem, neste pais existem racistas, como em Portugal, agora «manipular» o conteúdo para parecer que são todos é um absurdo.

O meu marido vive há 20 anos neste país e teve apenas uma situação negativa e o resto? A oportunidade de uma carreira profissional que este país lhe deu? O património que tem construído, o ciclo de amigos, também ingleses. Duas das pessoas que mais me ajudaram na vida são ingleses.

É inaceitável uma reportagem não reportar a realidade e só mostrar, praticamente, testemunhos negativos. A parte positiva que foi falada na maior parte da entrevista foi reduzida a segundos e ao mais negativo que foi dito.

As audiências jamais deveriam ser a motivação para qualquer trabalho jornalístico. A transparência e a verdade para com os entrevistados jamais deveria falhar e falhou. Lamento que isto tenha acontecido, ainda mais sendo eu jornalista.

Obrigado a todos os que têm enviado mensagens. Nós estamos bem! Se regressarmos um dia a Portugal não será por causa do Brexit mas sim pelas saudades. Eu sempre fui bem tratada neste pais, sim há racistas, como em Portugal, agora dizer que um pais é inteiramente racista é surreal.





sábado, 15 de abril de 2017

O feitiço que se volta contra o feiticeiro



Jurandir Dias, Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, 13 de Abril de 2017

A empresa americana Target tornou-se alvo, literalmente, de uma saraivada de críticas nos medias sociais após divulgar num blog, em Abril de 2016, um anúncio favorável à ideologia de género. Líderes da American Family Association (AFA) promoveram um boicote à empresa através de um abaixo assinado com mais de 1,4 milhões de assinaturas. Também foi criado a hashtag #BoycottTarget onde milhares de pessoas se manifestaram.

O anúncio da empresa dizia: «Nós convidamos os funcionários transgéneros e clientes a usar casas de banho ou vestiários que correspondam à sua identidade de género».

«A política de Target é exactamente como os predadores sexuais têm acesso às suas vítimas», disse o presidente da AFA, Tim Wildmon, numa carta aberta. «Isso significa que um homem pode simplesmente dizer hoje que se sente como uma mulher e entrar nas casas de banho das mulheres… mesmo que meninas ou mulheres já estejam lá.»[i]

Wildmon insistiu para que as pessoas assinassem a promessa de boicote, observando que a política da empresa «representa um perigo para as esposas e filhas». Também pediu que as pessoas eventualmente lesadas se queixem contra a política da Target, tanto junto da Polícia assim como nas páginas do Facebook.

A campanha contra a Target, que favorece a ideologia de género, resultou na queda do valor das suas acções ao nível mais baixo desde 2014. O preço das acções da empresa e os seus ganhos nunca se recuperaram desde o anúncio em 2016. De facto, as perspectivas da empresa foram tão sombrias que, no início deste mês, a empresa fechou abruptamente alguns importantes projectos com os quais esperava recuperar o mercado retalhista. As vendas caíram quase 6% nos três trimestres após a publicação do post, comparado com o mesmo período do ano anterior. No total, os lucros cairam 43%, segundo o site Chicago Tribune.

O boicote custou à empresa milhões em vendas perdidas e despesas adicionais. Depois do anúncio, a empresa foi obrigada a gastar US$20 milhões na instalação de casas de banho individuais em todas as lojas.

«Isto é o que acontece quando você ignora uma parcela significativa dos seus clientes», observa o articulista Jim Hoft.

Apesar dos prejuízos, o CEO da Target, Brian Cornell, numa entrevista à CNBC, insiste: «Nós tomámos uma posição, e vamos continuar a abraçar a nossa crença de diversidade e inclusão».

Este caso da Target, com as suas consequências, faz-nos lembrar novamente o famoso ditado francês: «Chassez le naturel, il revient au galop.» (Cassai o natural, ele voltará a galope). Numa linguagem popular, dizemos que é o feitiço que se volta contra o feiticeiro.


[i] http://www.breitbart.com/big-government/2017/02/28/target-down-30-percent-since-transgender-boycott-began/ 





O PSD-Lisboa visto por fora...



A REDE DA FAMÍLIA GONÇALVES:

COMO SE TORNARAM PODEROSOS NO PSD/LISBOA

Vítor Matos, Observador, 14 de Abril de 2017

São determinantes nas contas aos votos no PSD de Lisboa. Andaram à pancada. A sua força baseia-se nas freguesias, na distribuição de avenças e ajustes a empresas de amigos. Têm um imenso pequeno poder

Quando tomou posse como presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, em Outubro de 2013, António Cardoso — um militante socialista recente — não queria acreditar. «Os discos rígidos dos computadores dos dirigentes e o servidor não tinham nada e as passwords estavam erradas», conta o autarca ao Observador. «Não havia relatórios técnicos da actividade da junta, nem da saúde, nem da educação, nem da acção social. Zero». Aquela Junta era há vários mandatos um centro de poder para uma das facções do PSD de Lisboa e tinha sido gerida no último mandato por Rodrigo Gonçalves, considerado no aparelho lisboeta como um dos caciques com mais peso na capital. Envolvido em processos judiciais naquela época — entretanto resolvidos –, não se recandidatou nas autárquicas de 2013. Mas o seu pai, Daniel Gonçalves, ganhou a Junta das Avenidas Novas. E o poder da família transferiu-se para o centro da cidade.

Depois de iniciar funções, António Cardoso e a sua equipa aperceberam-se de um conjunto de ajustes directos que haviam de originar uma queixa-crime contra a anterior gestão por suspeitarem de «participação económica em negócio».

Rodrigo Gonçalves tinha cancelado seis contratos com fornecedores da Junta, para em simultâneo com a denúncia contratual assinar — a 31 de Julho de 2013 –, novas adjudicações directas com as mesmas seis empresas de amigos e militantes da sua facção do PSD. O valor total dos ajustes: 212,7 mil euros (para cinco dessas seis empresas). No dia seguinte a firmar os novos contratos, a 1 de Agosto, Rodrigo Gonçalves deixava as funções de presidente da Junta e começava a trabalhar como assessor do secretário de Estado do Emprego. Dois meses depois, a 29 de Setembro, o PSD perdia a Junta para o PS. Poucos dias após as eleições autárquicas, Emília Noronha, que tinha ficado como substituta de Rodrigo Gonçalves na presidência da Junta, denunciava esses mesmos seis contratos — contra um parecer dos serviços porque o executivo estava em gestão — e procedia ao pagamento a essas empresas antes da nova Junta tomar posse. Os pagamentos reflectiam verbas correspondentes a valores que oscilavam entre quatro e cinco meses de trabalho quando, segundo fontes da actual gestão da Junta, essas empresas só terão prestado serviços ao longo de dois meses.

Rodrigo Gonçalves (ao centro) numa acção recente do Núcleo Central do PSD
com José Eduardo Martins, responsável pelo programa eleitoral do partido às autárquicas
e cabeça de lista à Assembleia Municipal
 (Foto disponibilizada na página do Facebook do Núcleo Central)

Não foi por perderem a posição em Benfica que aquelas sociedades ficaram sem contratos com a administração local. Logo em Janeiro de 2014, quatro daquelas empresas foram contratadas pela Junta das Avenidas Novas (outra seria contratada mais tarde), presidida por Daniel Gonçalves.

No PSD de Lisboa toda a gente sabe quem é a «família Gonçalves».

Domina entre 500 e 600 votos internos no partido e controla o Núcleo Central — uma estrutura partidária abaixo da concelhia que neste caso tem influência geográfica em cinco freguesias de Lisboa. Dada a dimensão da estrutura, os dirigentes deste núcleo têm uma palavra fundamental na escolha dos líderes concelhios e distritais e possuem uma «capacidade de distribuição» ou influência a partir de um centro de poder, que se torna relevante neste momento em que o PSD apenas tem a Câmara de Cascais com dimensão no distrito (o que na linguagem dos aparelhos partidários quer dizer capacidade para distribuir empregos e avenças, e criar dependências que depois se materializam em votos nas eleições internas).

Com uma base herdada da antiga e poderosa Secção A de Benfica (explicamos mais adiante o processo de transformação das secções em núcleos e a história da célebre secção que era maior que algumas distritais), é possível identificar o peso da facção «Gonçalves» — em relação às outras facções em Lisboa — através das votações para a lista de delegados à Assembleia Distrital. Na eleição interna para o PSD distrital em 2011, em que havia uma disputa entre quatro facções, a lista patrocinada por Rodrigo Gonçalves venceu o concurso para os delegados distritais com 30% dos votos, o que correspondeu à mobilização de 511 militantes. Em 2013, noutra disputa entre quatro listas, a percentagem subiu para 40% e 535 votos de militantes. Na votação para a lista de delegados ao congresso do PSD em Abril de 2016, esta ala cresceu: num concurso entre seis listas, teve 726 votos, o que correspondeu a 51% dos militantes do PSD que foram votar. Significam estes resultados que a influência de Rodrigo Gonçalves tem estado a crescer, o que lhe permitiu ser escolhido para integrar a lista de Pedro Passos Coelho para o Conselho Nacional nesse mesmo congresso.

Passos escolhe dirigente condenado por agressão

Rodrigo Gonçalves, à esquerda,
no dia da leitura do acórdão no tribunal
Rodrigo Gonçalves, que viu confirmada em Março a sentença de condenação por agressão a outro autarca do partido, entrou em sexto lugar na lista de Pedro Passos Coelho ao Conselho Nacional.

Rodrigo Gonçalves, que recentemente fez um discurso num jantar partidário a desafiar Pedro Passos Coelho a candidatar-se à Câmara de Lisboa, escreveu este ano o livro «Política de A a Z», foi líder da extinta secção A do PSD/Lisboa, é vice-presidente da concelhia social-democrata da capital, é membro do Conselho Nacional do PSD, é deputado municipal, recebe uma avença como assessor do gabinete de Fernando Seara na Câmara de Lisboa apesar de ser quadro técnico da Gebalis (a empresa municipal dos bairros sociais). É o chefe na sombra do Núcleo Central do PSD, porque a estrutura é formalmente liderada por Pedro Reis. Este líder formal do núcleo, psicólogo, é um amigo de longa data de Rodrigo que também esteve na Junta de São Domingos, trabalha para uma empresa municipal em Cascais e teve uma avença nas Avenidas Novas (que foi cancelada porque Pedro Reis já era funcionário de uma empresa municipal em Cascais e mesmo assim recebeu 2 500 euros de um contrato total de 19 200 euros) e foi condenado com Rodrigo Gonçalves por agressão a Domingos Pires, antigo presidente da Junta de Benfica, também do PSD.

No press release que anunciava o livro lançado este ano em parceria com um ex-jornalista
e agora consultor de comunicação, a editora Contraponto apresentava Rodrigo Gonçalves
como consultor na área da liderança e gestão de negócios

Questionado pelo Observador sobre os contratos assinados um dia antes de deixar a presidência da Junta, Rodrigo Gonçalves respondeu por escrito, responsabilizando o colectivo da autarquia, mas sem explicar o que levou à revogação dos contratos e às novas adjudicações às mesmas empresas por mais dois anos: «Todas as decisões eram tomadas pelo órgão Junta de Freguesia, que é um órgão executivo e colegial, não sendo, por impossibilidade legal, tomadas por um único membro desse órgão, pelo que a decisão que refere teve, na sua base toda a fundamentação, constante dos documentos de suporte às reuniões de Executivo e com o escrupuloso cumprimento da lei».

Mas o caso das adjudicações não era a única perplexidade com que se deparou António Cardoso quando chegou a Benfica: tinha uma factura de 4 305 euros para pagar ao escritório de advogados João Nabais & Associados, por serviços prestados em processos judiciais que envolviam Rodrigo Gonçalves: um processo de corrupção em que seria ilibado; uma participação contra o jornalista Francisco Morais de Barros (do Jornal de Lisboa), que também seria julgado no âmbito de um processo em que Rodrigo Gonçalves foi condenado por agressão a outro presidente de Junta; e um terceiro processo de participação criminal contra terceiros que Gonçalves acabaria por ganhar.

Em relação aos pagamentos a João Nabais, Rodrigo Gonçalves justifica-se com a lei: «A Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, ao abrigo do disposto na lei do Estatuto dos Eleitos Locais, liquidou honorários nos processos em que me eram imputados factos praticados no exercício das minhas funções, ou seja, enquanto presidente de Junta.» E apesar de serem três os processos em causa, segundo a factura a que Observador teve acesso, Gonçalves refere-se apenas a dois: «Aliás, e como sabe, foram dois os processos, sendo que num deles, pelas imputações que me foram feitas, a sua autora foi condenada pelo crime de difamação, sendo condenada no pagamento de quantia monetária que eu ofereci ao IPO de Lisboa; e no outro processo foi proferida sentença em que fui absolvido.»

Os três momentos das adjudicações aos amigos

Estes processos de ajustes directos a empresas detidas por militantes do partido próximos da família Gonçalves, de cancelamentos de contratos e de transferência de uma Junta para outra deve ser explicado com maior detalhe. Tanto Daniel como Rodrigo Gonçalves responderam a questões do Observador, mas sem pormenorizarem o fundamento das suas decisões, que garantem ter sido legais. Podemos distinguir três momentos neste capítulo que ajuda a perceber como funciona a rede de fornecedores que os Gonçalves foram criando.

Primeiro momento: a 31 de Julho de 2013, dois meses antes das eleições autárquicas, foram revogados seis contratos de ajustes directos com empresas que prestavam serviços à Junta de São Domingos de Benfica e feitas novas adjudicações directas às mesmas empresas — cinco deles publicados no Portal Base. Todos com uma validade de dois anos, os contratos foram assinados por Rodrigo Gonçalves um dia antes de ser nomeado para o gabinete do secretário de Estado do Emprego, Octávio Félix de Oliveira, quando o ministro da Solidariedade e da Segurança Social era Pedro Mota Soares, do CDS. Rodrigo Gonçalves esteve no gabinete do secretário de Estado entre 1 de Agosto de 2013 e Julho de 2014.

Segundo momento: as eleições autárquicas são disputadas a 29 de Setembro de 2013. O candidato derrotado do PSD, Ricardo Crespo — mais tarde avençado do grupo do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa — perde a eleição para António Cardoso, do PS, em São Domingos de Benfica. Por sua vez, Daniel Gonçalves ganha a freguesia das Avenidas Novas, no centro de Lisboa. Emília Noronha (que também virá a receber uma avença de 1 800 euros nas Avenidas Novas para implementar a Universidade Sénior) substitui Rodrigo Gonçalves como presidente da Junta quando este vai para o gabinete do secretário de Estado. Esta autarca mantém-se em funções de gestão corrente até à tomada de posse do novo executivo. No dia 9 de Outubro — 10 dias depois das eleições locais — Emília Noronha utiliza a figura do pré-aviso (de 60 dias) para denunciar os contratos com as empresas que tinham sido firmados dois meses antes. Denuncia, também, os contratos com cinco avençados singulares. Perante o ofício para executar esta decisão, o funcionário da Junta responsável pela área escreve um parecer contrário: «Estando o executivo em gestão corrente, não se pode proceder à rescisão de contratos». Apesar de estar em gestão e apesar da recusa dos serviços, Emília Noronha despacha favoravelmente: «Autorizo o pagamento», segundo consta no documento consultado pelo Observador. O Observador tentou contactar Emília Noronha até à publicação deste texto, mas não conseguiu obter resposta às chamadas.

Ao Observador, Rodrigo Gonçalves diz nada ter a ver com estas decisões tomadas pela sucessora: «O meu mandato terminou no dia 31 de Julho de 2013, portanto já não era autarca em São Domingos de Benfica a essa data.»

As luzes de alarme acendem-se quando o novo jurista da Junta fez a leitura de que a lei invocada para denunciar os contratos — a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas — se aplica apenas a pessoas singulares e não a pessoas colectivas. Mas também porque, nos 60 dias seguintes ao pré-aviso, aquelas empresas já não terão prestado mais serviços. O mesmo se terá passado com alguns colaboradores avençados. «Nenhum desses avençados ou dessas empresas voltou a aparecer depois das eleições», garante uma fonte da Junta ao Observador.

Os advogados da Junta de São Domingos de Benfica avançaram então com uma queixa crime por toda aquela sucessão de decisões não lhes ter parecido apenas uma mera falha. E por o património da freguesia ter sido alegadamente lesado em mais de 40 mil euros, segundo as contas que fizeram, explicaram ao Observador.

Terceiro momento: poucos meses depois, cinco daquelas seis empresas — todas propriedade de militantes do PSD — eram contratadas pela Junta das Avenidas Novas presidida pelo pai de Rodrigo Gonçalves. Vários avençados cujos contratos tinham sido rescindidos em Benfica passavam a ser avençados também das Avenidas Novas. Questionado pelo Observador, Daniel Gonçalves não responde aos casos concretos: «Todas as empresas que fornecem serviços à Junta de Freguesia são seleccionados apenas tendo em consideração a experiência, solidez, e as condições propostas para a prestação de serviços. Os contratos e as respectivas adjudicações encontram-se disponíveis no portal Basegov, dando seguimento à rígida política de transparência implementada pela Junta de Freguesia.» Apesar de um grande número de avençados nas Avenidas Novas coincidir com militantes do PSD, Daniel Gonçalves também nega a existência de favorecimento: «A filiação partidária, ou associativa dos membros das centenas de entidades que prestam serviços à Junta de Freguesia não são um critério de exclusão, ou inclusão, no âmbito da contratação pública. Na contratação pública os critérios de adjudicação estão definidos por Lei e são escrupulosamente cumpridos por esta entidade».

Mais uma vez, Rodrigo Gonçalves diz ao Observador nada ter a ver com as decisões tomadas, desta vez, pelo seu pai: «Não exerço nem nunca exerci qualquer função na Junta de Freguesia referida.» Daniel Gonçalves reforça esta ideia numa resposta escrita ao Observador, recusando a ideia de que o filho possa ter qualquer influência naquele órgão autárquico: «O exercício de gestão da Junta de Freguesia das Avenidas Novas é executado pelo seu presidente e executivo eleito em processo eleitoral, democraticamente reconhecido, e nos termos legais».

Rodrigo Gonçalves a receber Ângelo Correia no mega jantar organizado
pelo Núcleo Central este ano, em que apelou a Passos Coelho
para se candidatar à Câmara de Lisboa
(Foto publicada no Facebook do Núcleo Central)

As ligações: quem são estas seis empresas?

Os sócios de cinco das seis empresas que se transferiram em poucos meses de São Domingos de Benfica para as Avenidas Novas têm uma relação com a família Gonçalves e são todos militantes do Núcleo Central do PSD. Mas, segundo Rodrigo Gonçalves, as suas decisões como autarca nada têm a ver com a cor do cartão partidário dos empresários: «Os procedimentos de contratação pública desenvolvidos e levados a cabo pela Junta de Freguesia no período em que exerci o mandato, foram realizados no estrito cumprimento das disposições legais em vigor, disposições essas que não discriminam ninguém pela sua orientação política, religiosa, sexual ou clubística conforme determina a nossa Constituição.»

No entanto, podemos dar uma ideia das relações de cada um destes fornecedores com a família de autarcas.

1 – A CSdO, empresa do amigo e a ligação ao Montepio

Só teve contratos no Estado com as juntas lideradas por membros da família Gonçalves, segundo o Portal Base. O sócio é Carlos Oliveira, militante do núcleo central do PSD, que somou adjudicações no valor de 129,6 mil euros nas duas freguesias, desde 2013 (os contratos anteriores a Junho de 2013 não foram carregados no Portal Base).

Carlos Oliveira foi presidente do Montepio Comercial e Industrial, Associação de Socorros Mútuos (não tem nada a ver com o banco) entre 2009 e 2014, uma entidade que chegou a ser administrada por Daniel Gonçalves e de cujos corpos sociais os seus filhos Rodrigo e Asdrúbal Gonçalves (irmão gémeo de Rodrigo) também fizeram parte. No presente, Carlos Oliveira é administrador suplente desta associação mutualista que também chegou a ter um protocolo com a Junta de São Domingos de Benfica. Esse protocolo, assinado por Rodrigo Gonçalves e que o Observador consultou, dava a possibilidade de todos os residentes na freguesia poderem aceder a consultas médicas em condições iguais às dos sócios daquela mutualidade, sem precisarem de ser associados (a preços que variavam entre os 15 euros e os 33 euros). A única contrapartida que constava do contrato era o pagamento de 20 euros mensais pela junta à associação mutualista, a título de Fundo de Solidariedade associativa. Refira-se que pelo menos o actual presidente do Montepio Comercial e Industrial, um vogal e os administradores suplentes são todos militantes do núcleo central do PSD/Lisboa, confirmou o Observador depois de consultar documentação com os respectivos órgãos sociais.

2 – A Academia de Psicologia e o marido avençado

A empresa Guia de Escolhas, Academia de Psicologia facturou pelo menos 187 mil euros desde finais de 2013 só nas duas juntas referidas (a firma só tem mais um contrato no Estado, com a Câmara de Cascais, que é liderada pelos dois últimos presidentes da distrital do PSD de Lisboa, Carlos Carreiras e Miguel Pinto Luz).

Só nas Avenidas Novas, esta empresa propriedade de Fátima de Melo recebeu cerca de 150 mil euros. A psicóloga é militante do PSD e casada com outro militante do Núcleo Central: António Melo, um dos antigos avençados da Junta de Benfica — mas cujo contrato não consta do Portal Base — que transitou para a Junta das Avenidas Novas com uma avença de 59,4 mil euros por três anos como «coordenador de projectos a implementar e acção social». Ganhava 1 650 euros brutos por mês. Entretanto, em Novembro de 2015 foi admitido nos quadros da Junta de Freguesia.

As contratações do casal já tinham dado polémica, que foi contada aqui pelo jornal Corvo, pois a oposição na Assembleia de Freguesia levantou questões em relação a estas contratações de marido e empresa da mulher.

3 – Advogado e militante com outro pé no Montepio

A sociedade de advogados Coimbra & Serrão tem desde 2013 adjudicações nas duas juntas no valor total de 122 mil euros, segundo o Portal Base (42 mil euros em São Domingos de Benfica e duas adjudicações directas no valor de 79,2 mil euros nas Avenidas Novas). Esta sociedade não tem contratos com mais nenhuma entidade no Estado ou da administração local, pelo menos que conste no site da contratação pública. Paulo Serrão e a mulher são militantes do Núcleo Central do PSD, e ele chegou a ser candidato em 2013 à Assembleia Municipal de Lisboa nas listas do PSD/CDS. Também está ligado ao mesmo Montepio Comercial e Industrial, onde é primeiro secretário da Assembleia Geral.

4 – O homem dos computadores

A empresa de informática Stagemotion, propriedade de Samuel de Andrade, um amigo de longa data de Rodrigo Gonçalves — também militante do PSD no Núcleo Central — só teve adjudicações com o Estado através da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica e com a das Avenidas Novas, de acordo com o Portal Base. Facturou cerca de 123 mil euros às duas juntas desde 2013 (76,6 mil euros só nas Avenidas Novas). Quando a presidente da Junta de Benfica lhe cancelou o contrato em Outubro de 2013 pagou-lhe o equivalente a cinco meses, quando o serviço fornecido não terá ultrapassado os dois.

5 – Empreiteiro para toda a obra

Mário Rui Santos, um empreiteiro que vive na Amadora — e é militante do PSD, do Núcleo Central, desde 2014 — é o dono da MTRSantos, a empresa que fazia obras em São Domingos de Benfica e que passou a fazer obras nas Avenidas Novas. Apesar das adjudicações em Benfica a esta empresa não constarem do Portal Base, o Observador consultou documentos que provam que o valor pago a esta firma rondou os 40 mil euros. Nas Avenidas Novas, a verba paga à MTRSantos desde finais de 2015 quase chega aos 125 mil euros, segundo os contratos depositados no Portal Base.

6 – A empresa que não voltou a ser contratada

A única empresa cujo contrato foi denunciado no final do mandato do PSD em São Domingos de Benfica, em 2013, e que não teve novas adjudicações nas Avenidas Novas foi a Newment, uma empresa de contabilidade. Luís Requicha, o dono da sociedade, não está inscrito no PSD, ou pelo menos não pertence ao Núcleo Central.

Há outras contratações comuns às duas freguesias, para além destas, que estão ligadas a familiares, amigos e colaboradores de Daniel e Rodrigo Gonçalves. Por exemplo, Jorge Barata: é vogal da concelhia do PSD/Lisboa presidida por Mauro Xavier, foi candidato suplente à Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas e tem uma avença como assessor do gabinete de vereação do PSD no valor de 46,2 mil euros por três anos (1 280 euros brutos por mês). A sua mulher, Paula Caetano Barata, é deputada Municipal do PSD, e responsável pela coordenação do secretariado na Junta das Avenidas Novas. Segundo o Portal Base recebe cerca de 2 mil euros brutos mensais. Com o mesmo número fiscal de Jorge Barata, aparece uma adjudicação de 10 mil euros para a reparação e pintura das viaturas da higiene urbana nas Avenidas Novas. Segundo uma fonte da assembleia de freguesia, tratar-se-á do pai de Jorge Barata, que tem uma oficina em Queluz. De acordo com a mesma fonte, será também um animador de festas organizadas pela Junta.

Outra contratação por ajuste directo com uma evidente ligação partidária nas Avenidas Novas foi à empresa Heidelconsult, de outro dirigente do PSD, Cal Gonçalves, para consultadoria em gestão autárquica, o que teria a ver com as novas competências das freguesias em Lisboa. O contrato com este militante e dirigente, que foi presidente da Junta de Freguesia dos Anjos e chefe de gabinete do ex-presidente da Câmara Carmona Rodrigues, totalizou 24 mil euros ao longo do ano de 2014. Coincidiu, assim, com o período em que Cal Gonçalves também foi vereador (substituto) pelo PSD na Câmara de Lisboa, segundo os dados que o próprio publicou na rede social Linkedin.

Assim que chegou à Junta, recordam membros da Assembleia de Freguesia ao Observador, Daniel Gonçalves queria que a Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas lhe desse a capacidade para assumir despesas até 100 mil euros (mais concretamente 99 759,64 euros) sem precisar de levar a aprovação desses gastos àquele órgão. Até o CDS, que foi eleito em coligação com o PSD votou contra.

Sucessor de António Preto: como Gonçalves criou o seu poder

Mas a história dos Gonçalves no PSD é longa e atribulada. Dia 4 de Novembro de 2009. São 10 horas. Rodrigo Gonçalves, presidente da Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, e Pedro Reis, deputado municipal do PSD em Lisboa, agridem a murro e pontapé o seu companheiro de partido Domingos Pires, de 71 anos, que tinha acabado de perder a Junta de Benfica para o PS. As eleições autárquicas tinham-se realizado no dia anterior. O Público divulgaria as fotos do autarca com marcas de ferimentos na cabeça.

Domingos Pires explicava que a agressão tinha a ver com rivalidades locais entre sociais-democratas. Os líderes da Secção A ― que abrangia as juntas de Benfica e de São Domingos de Benfica ― não o tinham conseguido remover das listas. Rodrigo Gonçalves seria condenado pelo tribunal ao pagamento de três mil euros de indemnização por esta agressão em Janeiro de 2015. Mas havia de recorrer da decisão, que seria confirmada pelo Tribunal da Relação. «Nunca agredi ninguém. Sou um homem de família e repudio qualquer tipo de violência. Estou a ser alvo de calúnias e a ser injustamente acusado», defendia-se Rodrigo Gonçalves em 2015.

Tribunal. Pinto Luz ajuda agressores do PSD/Lisboa

Miguel Pinto Luz, líder do PSD da distrital de Lisboa
O líder da distrital de Lisboa depôs em tribunal para dizer que, à hora em que um dirigente do PSD agredia outro, o agressor estava reunido consigo em Cascais. A Relação não aceitou o argumento.

Em Lisboa, há pelo menos três tribos laranjas que competem entre si. Foram fazendo alianças instrumentais e só em 2015 se uniram em torno do presidente da distrital, Miguel Pinto Luz, vice-presidente da Câmara de Cascais. Por razões históricas, o PSD no município de Lisboa tinha um regime específico de secções sem a existência de uma concelhia (o Porto teve o mesmo tipo de organização durante muitos anos). Desde a fundação do partido e até 2011, havia nove secções do PSD espalhadas pela capital, da letra A à H, incluindo depois a secção Oriental. Acima destas, estava a poderosa distrital de Lisboa.

A repetição de polémicas relacionadas com as secções lisboetas levou à criação de uma concelhia de Lisboa, em 2011, depois de uma reformulação estatutária decidida em congresso nacional do partido. Fundiram-se as secções e foram criados três grandes núcleos: o Oriental, o Central e o Ocidental. Os dirigentes dos núcleos lisboetas mantêm um controlo dos seus votos e é isso que lhes vai garantindo algum poder, ou pelo menos o emprego. Depois de Rodrigo ser o líder da histórica secção A, quando esta foi convertida em Núcleo Central, o presidente passou a ser Daniel Gonçalves. Desde Junho de 2015, porém, a liderança do Núcleo passou para Pedro Reis, o amigo de Rodrigo, que também foi condenado pela agressão a Domingos Pires.

A génese do poder de Rodrigo Gonçalves tem origem na ascensão do ex-deputado António Preto, responsável pelo processo de expansão da Secção A, que liderou entre 1995 e 2000. Apoiante de Manuela Ferreira Leite (que presidiu à distrital de Lisboa entre 2000 e 2002), António Preto teve no aparelho de Benfica um dos suportes para a futura líder do partido tomar conta da distrital. A seguir, foi o próprio Preto a ascender à liderança da distrital de Lisboa até 2006. Como uma formiguinha, estava a trabalhar desde 1996 a recuperar antigos militantes e a fazer novos.

Durante a investigação do processo por corrupção para acto ilícito de que sairia ilibado, Rodrigo Gonçalves disse ao DIAP que, pelo menos até 2008, o procedimento para se pagarem quotas da Secção A era o seguinte: «O dr. António Preto pedia as listagens dos militantes e as quotas apareciam pagas». Asdrúbal Gonçalves, irmão de Rodrigo, disse aos investigadores que António Preto lhe dava fichas para assinar como proponente de novos militantes. Também referiu não saber se alguma vez esses militantes pagaram quotas, uma vez que «era o dr. António Preto que dizia que tratava desse assunto».

A dinastia teria continuidade, embora acabassem todos de costas voltadas. Sérgio Lipari, o cacique que sucedia a Preto na Secção A havia de ganhar para o PSD a Junta de São Domingos de Benfica. Este «poder» contribuiu para aumentar ainda mais o colégio eleitoral da secção, sobretudo depois de Lipari ascender a vereador na Câmara de Lisboa e de ter a alçada da Gebalis, a empresa municipal que trata dos bairros sociais. Só que esse crescimento não se deu por autogeração. Quando Lipari foi para a Câmara de Lisboa, em 2005, Rodrigo Gonçalves, um antigo «jotinha» muito activo, havia de lhe suceder na presidência da Junta.

Nessa fase, a Gebalis contratou 27 funcionários, todos militantes da Secção A do PSD, segundo documentos que constam daquele processo (o próprio Rodrigo Gonçalves se tornaria quadro da Gebalis). Ao assumir a presidência da Junta, Rodrigo Gonçalves terá despedido 14 funcionários, substituindo-os por militantes da secção, segundo a documentação processual. Até substituiu o TOC, que também era do PSD, pelo sogro da irmã. Com a gestão da Gebalis na mão, disparou o número de militantes do PSD provenientes do Bairro da Boavista, um bairro social abrangido pela freguesia. Até um militante do PCP ― que seria ouvido no DIAP ― tinha, sem saber, três filiados no PSD com a sua morada. Era tudo falso, apenas para engrossar a militância.

Votos por férias oferecidas por um Montepio e a absolvição no caso de corrupção

O primeiro escândalo relacionado com a secção tinha rebentado em 2003, por causa de uma forma demasiado criativa de atrair novos militantes no bairro da Boavista. O isco eram senhas para estadias num hotel do Algarve, disponibilizadas pelo Montepio Comercial e Industrial onde Daniel, o pai de Rodrigo Gonçalves, tinha funções de gestão. Uma moradora denunciou o caso no dia 21 de Outubro de 2003 durante uma sessão da Assembleia Municipal de Lisboa. Sérgio Lipari, que ainda era o presidente da secção e da Junta, seria acusado, em público, por outros deputados municipais, de usar «todos os meios, lícitos e ilícitos, para aumentar a sua influência junto das populações», através da oferta de vales do PSD e da associação de moradores a dizer «oferta do PSD, Benfica ― Secção A». Anabela de Jesus Leonardo, jurista e também autarca do PSD, declarou que foi agredida na sequência das primeiras denúncias que fez do caso. «Fui agredida violentamente, fui espancada e tive de meter baixa e ir para o hospital».

A seguir a esta intervenção, Beatriz dos Santos, residente no Bairro da Boavista, pediu a palavra na mesma sessão da Assembleia Municipal para denunciar o aliciamento através da oferta de férias no Algarve:

«Senhora Vereadora, eu depois vou deixar cópia, porque passei por mentirosa, vigarista, aldrabona, com vales de uma semana de férias em regime de alojamento para seis pessoas num apartamento T2 em Albufeira, nos Jardins da Balaia, isto em nome do PSD, que se andou a dar no Bairro da Boavista. […] Isto era muito bom se tivesse sido realmente oferecido pelo Montepio Comercial e Industrial e não em nome do PSD. Só porque eu denunciei isto deu-se uma cena de pancadaria na Junta de Freguesia de Benfica. Há seis anos que sou autarca naquela Junta e nunca tinha passado por tão grande enxovalho, a vergonha das vergonhas na Av. Gomes Pereira. Os moradores todos a verem o que se passava, mas o mais caricato disto tudo era as pessoas dizerem «isto é militantes do PSD com PSD». Isto é uma vergonha, isto julgo que está denunciado».

Na sequência das cenas de pancadaria, Daniel Gonçalves, pai de Rodrigo, foi julgado por agressão em conjunto com a mulher. Ambos acabaram absolvidos em 2009, tendo o juiz invocado o princípio in dubio pro reo, por haver dúvidas quanto às circunstâncias em que o incidente ocorreu. Outra denúncia anónima daria entrada no DIAP a explicar como alegadamente funcionava o esquema: «O Montepio Comercial e Industrial tem um empreendimento turístico no Algarve, chamado Jardins da Balaia. Por troca de voto em Daniel Gonçalves para secretário-geral (cargo que tem poderes para gerir a ocupação do empreendimento), este mesmo Daniel Gonçalves dá um jeitinho para que a tão desejada semana nos Jardins da Balaia seja uma realidade. Da mesma forma, os associados do Montepio são aliciados para se fazerem militantes da Secção A do PSD, dando o voto ao Rodrigo Gonçalves por troca de semanas de férias no empreendimento». Nunca tal foi comprovado judicialmente.

O poder de Rodrigo Gonçalves, apesar de todos os casos em que se viu envolvido, não diminuiu. Com os métodos de arrebanhamento de militantes, entre 2002 e 2008, os filiados da Secção de Benfica com quotas pagas passaram de 632 para mais de mil. Antes das eleições internas para presidente do partido, em 2010, a Secção A registava 1 438 filiados com as quotas pagas. Um documento de 2007 com o nome e a morada dos militantes do PSD demonstra que membros da família Gonçalves tinham, nas suas casas, oito militantes inscritos numa morada, dez noutra e 15 numa terceira.

Um antigo colaborador da Junta de São Domingos de Benfica, que preferiu manter o anonimato por receio de represálias, explica que, para manter o emprego, tinha de arregimentar militantes. No seu caso, controlava cerca de 20 inscritos, que reunia e levava a votar sempre que havia actos eleitorais internos. Outros amigos funcionavam como «cabos eleitorais» e também controlavam algumas dezenas de filiados. Para manter o seu part-time na freguesia, esta fonte tinha de contribuir com votos para o presidente da Junta manter o poder no partido. Rodrigo Gonçalves contestaria sempre estas informações: «A secção A sempre foi uma das maiores secções do PSD. O seu crescimento é, obviamente, um processo natural. Quanto à angariação de militantes são completamente falsas e absurdas estas acusações», afirmava há cerca de dois anos.

No processo que começou a ser julgado em Fevereiro de 2015 e que terminou em Outubro do mesmo ano, Rodrigo Gonçalves e o pai, Daniel Gonçalves, foram absolvidos da acusação de corrupção passiva para acto ilícito, por não ser possível provar a acusação. No entanto, o antigo fiscal das obras da Junta — que era considerado um homem de mão e um dos braços de Rodrigo Gonçalves — foi condenado a quatro anos de prisão. Mas estava ausente no estrangeiro.

O caso começou por ter a ver com o desaparecimento de 50 mil euros de umas obras para o Jardim Infantil O Povo. Circulava dinheiro vivo. Esse fiscal das obras da Junta, chamado Carlos Vicente, pediu 50 mil euros ao responsável pelo Jardim Infantil, em numerário, para pagar ao empreiteiro que ia arranjar as instalações. Era uma verba que a Junta tinha atribuído à instituição, ainda no tempo de Sérgio Lipari. O dinheiro desapareceu. E o fiscal também: foi para a Suíça. Em vez de fazer queixa às autoridades por causa do desaparecimento do dinheiro ― a Assembleia de Freguesia chumbou essa possibilidade ―, Rodrigo Gonçalves pediu mais 25 mil euros para a obra a Lipari, que já era vereador na Câmara de Lisboa. Assim, uma obra com um orçamento inicial de 38 mil euros, recebeu 50 mil e depois passou a ter 75 mil euros atribuídos. Segundo a acusação, o dinheiro da freguesia circulava em numerário entre o fiscal e o pai do presidente da Junta, Daniel Gonçalves. O desaparecimento da verba, porém, não chegou para acusar Rodrigo Gonçalves, que estava obrigado por lei a fazer queixa do desaparecimento do dinheiro ao Ministério Público. Como foi a Assembleia de Freguesia a deliberar a não apresentação de queixa, o presidente da Junta ficou fora da alçada da Justiça.

Rodrigo Gonçalves acabaria por ser acusado de corrupção devido a seis mil euros que um empreiteiro que fazia as obras na Junta levantou em numerário no banco, dando-os a Carlos Vicente, que depois diz tê-los entregue a Daniel Gonçalves. Outra acusação teve origem no depoimento de um empresário de uma firma de jardinagem que, depois de ganhar um concurso na Junta, foi abordado para dar dois mil euros por mês ao «homem». E o homem seria Rodrigo Gonçalves. Nenhuma destas alegações foi provada. O antigo autarca acreditou sempre que a sua «inocência seria provada». Foi absolvido. Trata-se de um dos processos pelo qual o advogado João Nabais foi pago pela Junta de São Domingos de Benfica.

Com todo este historial, mesmo depois das secções lisboetas do PSD terem sido extintas, Rodrigo Gonçalves manteve-se como vice-presidente da concelhia de Lisboa. Já com o julgamento por agressão terminado, e com a condenação, Mauro Xavier — presidente da concelhia — manteve-o no cargo. Rodrigo Gonçalves refuta todas as acusações de caciquismo que lhe fazem: «Desconheço totalmente esse tipo de acusação em relação à minha pessoa. Nunca fui acusado de tais práticas, que aliás, reprovo totalmente».