António Galamba, membro da Comissão Política Nacional do PS
Quando se tem na educação um alienígena da realidade portuguesa que, entre a sobredose ideológica e o aprisionamento pelos sindicatos, acha que pode brincar com a vida das crianças e dos jovens nos currículos, nos exames e nas matrículas, o risco de disparate é grande
Quando começa a ser claro que o que é dito não importa, porque numa semana o que é relevante é a palavra de Bruxelas e não a do Conselho das Finanças Públicas, mas na semana seguinte, as previsões de Bruxelas já não contam, surge toda uma orientação política: «Acabar com a mama!». O sentido é o do governo e da maioria parlamentar, a expressão, forte, é dos eufóricos apoiantes da alegada deriva.
Depois do governo ter criado um grupo de trabalho com o objectivo de estudar o futuro da ADSE, tendo em vista a possibilidade de alargar o subsistema de saúde do Estado aos cônjuges e filhos (até 30 anos) dos funcionários públicos, no que foi visto como uma medida susceptível de ampliar a quota de mercado dos privados na saúde e de enfraquecer o Serviço Nacional de Saúde.
Depois de um conjunto de medidas governativas, por vezes, sem rumo, sem sustentabilidade e sem critério, o governo mandou às malvas a palavra dada sobre a previsibilidade das opções políticas, o mobilizar Portugal e o sentido de respeito pelas pessoas em detrimento dos mercados. Sim, há um crescente mercantilismo de seres humanos, já não sob a forma de escravos, mas ao nível da disputa entre o público e o privado na saúde, na educação e na protecção social, em vida e na morte. Algumas destas tensões presentes na sociedade agravaram-se com as alterações registadas na diminuição da natalidade e no aumento da esperança de vida. São evidentes os desfasamentos entre oferta e procura que aconselham intervenções, com senso e com sentido de justiça.
Populismo
do «acabar com a mama» à parte. Houve um desinvestimento dos últimos governos
PSD/CDS na escola pública como houve um novo-riquismo no passado mais remoto
com algumas das intervenções da «Parque Escolar», enquanto se deixavam a
quilómetros, «escolas» em condições deploráveis e se quartava a possibilidade
de serem os Municípios a concretizar essa onda de renovação dos equipamentos, a
preços mais consentâneos com o país. Não vi nesses desequilíbrios nenhuma
intervenção relevante da FENPROF, mais entretida a tratar das vidinhas. Afinal,
com tantas Cartas Educativas e tantos estudos quase de planeamento soviético
orientado como foi possível que a realidade tenha passado ao lado das
iluminárias.
O que
se pede na Educação é um mínimo de respeito pelos alunos, pelos pais, pelos
professores e por todos os que integram as Comunidades Educativas quando se têm
de operar alterações em resultado de opções políticas, constem elas ou não, de
compromissos eleitorais, de programas de governo ou de cartilhas ideológicas
injectadas pelos avaliadores sindicais do ministério. A não ser assim, de três
em três meses, por ocasião da avaliação do Ministro pelos Sindicatos, corre-se
o risco das novidades serem de instabilização das comunidades e de satisfação
dos de sempre. E nesse quadro, os louvores dos sindicatos ao Ministro sairão
sempre bem caros ao país.
Corrija-se
o que tiver que ser corrigido para haver uma escola pública de qualidade, para
haver igualdade de oportunidades e para existir liberdade de escolha,
investiguem-se os processos de implantação de equipamentos públicos e privados
nos territórios e constatar-se-ão atipicidades na gestão pública e na gestão
privada que suporta a actual oferta existente, mas em qualquer situação: não
desestabilizem as crianças e os jovens. Qualquer análise da situação constatará
que os colégios privados foram autorizados por governos PS e PSD, sendo
ridículo colocar a questão meramente no patamar ideológico. Há
responsabilidades partilhadas porque os contractos de associação não nasceram
de geração espontânea.
Por
exemplo, na saúde, ao mesmo tempo que os privados anunciam grandes lucros, o
governo acaba de consagrar as condições para o livre acesso e circulação no
Serviço Nacional de Saúde. Fê-lo com respeito pelos utentes, com sentido de
equilíbrio e com respeito pelas dinâmicas sociais que superam as limitações
geográficas compartimentadas que ainda é o quadro mental de muita gentinha que
por aí anda. Não é conhecido incómodo relevante com a transferência de mais de
quatro mil milhões de euros do Estado para o sector privado da saúde em 2015,
não há nenhuma tentativa de impedir os anunciados investimentos de 200 milhões
pelos privados na saúde ou reverter a destruição do quartel do Regimento junto
ao Colombo. «Acabar com a mama», dizem.
Não é
de Esquerda reorientar a «mama» para que mudem apenas os «mamões», perante a
indiferença em relação aos que verdadeiramente importam, as pessoas
destinatárias dos serviços públicos. Quando o cidadão deixa de estar no centro
das políticas, algo vai mal.
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