quarta-feira, 25 de janeiro de 2017


A reabilitação do sr. Trump


Alberto Gonçalves, Sábado, 24 de Janeiro de 2017

E pronto: vem aí o sr. Trump, fanfarrão de poucos modos, poucas letras, muito dinheiro e demasiadas frases no Twitter. Assustador? Depende. A democracia na América é tão robusta que, ainda o homem não ocupou o cargo, já vai arranjando maneira de o tornar digerível e, não tarda, desejável. Através dos famosos «checks and balances», controlos e equilíbrios, pesos e contrapesos, o «sistema» organicamente desatou a sugerir que embora o sr. Trump não seja grande coisa, a verdade é que podia ser coisa bastante pior. Por comparação às convicções e aos métodos de alguns dos seus opositores, o sr. Trump é um mal pequenino. E, em política, um mal pequenino é quase um achado.

Comecemos pelo longo inventário de «artistas» que recusaram cantar na gala inaugural. É grave que nomes como Elton John, Céline Dion, os Kiss e Ricky Martin não emprestem as vozes à legitimação do novo Presidente? Grave seria que emprestassem. Sempre que o autor de Candle In The Wind fecha a boca, a humanidade ganha, e o sr. Trump, responsável pelo abençoado silêncio, ganha a dobrar.

E há, a título simbólico, o discurso da actriz Meryl Streep quando, a 8 de Janeiro, recebeu um prémio importantíssimo. Por algum motivo, a criatura resolveu atacar a xenofobia do sr. Trump com o exemplo do meio cinematográfico, que ela considera – segurem-se bem – «um dos grupos mais perseguidos na sociedade americana». É apenas um caso, tipicamente amalucado, da soberba de Hollywood, que lá porque produz fitas horrendas se julga incumbido de iluminar os simples. Sempre que Hollywood designa um alvo, é provável que este detenha virtudes insuspeitas.

E há a marcha em Washington no próximo dia 21, exercício de afirmação dos direitos das senhoras, das quais o sr. Trump, cujos divórcios enriqueceram várias, é aparentemente inimigo. Enquanto marcham, milhares de mulheres tentarão demonstrar que os milhões de mulheres que votaram no sr. Trump são idiotas. Para provar que isto é sério, a teóloga Madonna publicou no Instagram a foto de uma vagina depilada. Sempre que «activistas» de desmioladas «causas» se empenham tanto contra alguém, é garantido que alguém não é mau de todo.

E há a lista crescente de congressistas que não enriquecerão a tomada de posse do sr. Trump com a sua presença. Vistos à lupa, é tudo gente de princípios, campeões das lutas civis e amigos do povo. Se, porém, o povo elege quem eles não gostam, a civilidade cai de cama e os princípios sofrem forte abalo. Sempre que grandes democratas só prezam um lado da democracia, é possível que o lado restante tenha certa razão.

E há, last and always the least, Obama. Em dois mandatos antecedidos de louvores precoces e que prometiam uma discreta mediocridade, Obama preferiu o estrondo à lamúria e, resumindo imenso, conseguiu aumentar as divisões sociais e raciais nos EUA, trair países amigos, ceder a nações inimigas e passear pacifismo ao mesmo tempo que fomentava guerras duvidosas. A lamúria guardou-a para o fim: sempre que um líder se despede entre lágrimas, é plausível que o líder seguinte seja menos embaraçoso. Sendo o sr. Trump, será o que Deus quiser. E o que, após 8 anos de erros sucessivos, Obama quis que fosse.





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