terça-feira, 25 de abril de 2017

O mito de Aristides Sousa Mendes, os novos heróis e o aniversário de Abril…


João José Brandão Ferreira, Oficial Piloto Aviador 25/4/17

«Navegar é preciso, viver não é preciso»;
«Ó Portugal, hoje és nevoeiro…»
«Senhor, falta cumprir-se Portugal!».

Fernando Pessoa

O Mito de Aristides Sousa Mendes (ASM) que o actual PR resolveu agitar de novo, ao condecorá-lo no passado dia 3 de Abril, a propósito do 63.º aniversário do seu passamento (!), também se pode relacionar com a efeméride anual do golpe de estado militar, florido a cravos, que virou revolução, conduzida pelo PC (fazemos apócope do segundo «P», pois chamar «português» a uma organização subversiva, que esteve ao serviço de uma potência estrangeira, desde 1921 – a URSS – causa-nos alguns pruridos) e anarquizada por outras forças de extrema-esquerda.

Após o incompleto 25 de Novembro de 1975, assentou arraiais, um regime úbere em mazelas, baseado numa Constituição peca, palavrosa e até antidemocrática, regime que se sedimentou através de distribuição de dinheiro emprestado e muitos negócios ruinosos e corruptos.

Lavaram o cérebro aos cidadãos através de muita mentira política, social e histórica, e estribilhos de grande efeito sonoro e «progressista», como «liberdade», «antifascismo», «abaixo a reacção», «democracia», «modernidade», «direitos e mais direitos», etc..

Sem nunca se ter intuído e interiorizado o verdadeiro significado dos termos, doutrinas e conceitos.

E sem nunca terem julgado ninguém![1]

As pessoas passaram, de facto, a viver melhor mas com riqueza que não produziram, não lhes pertencia e pelo desbarato de todas as reservas acumuladas. Que não eram pequenas.

Sem embargo, o regime não tinha heróis.

Passado o fugaz deslumbre dos «capitães» – cuja maioria nunca se deu conta verdadeiramente daquilo em que se metera – e de dois generais que emergiram do golpe, Spínola e Costa Gomes que, célere, foram promovidos a Marechais.

Direi que indevidamente, o primeiro por ter ajudado a desencadear um evento que não conseguiu controlar e que o ultrapassou e, ainda, pela vaidade que lhe embotou o senso; o segundo por falta de carácter e lealdade, como as duas alcunhas por que era conhecido, tão bem ilustram: «rolha» e «judas». (Ainda hoje ninguém sabe ao certo o que é que este oficial de cavalaria – que não gostava de montar a cavalo – foi, na realidade, e para quem «trabalhou»).

Ambos por terem grandes responsabilidades na leviana destruição de um conceito de Nação Portuguesa que tinha cerca de 600 anos.

Sem embargo de o terem obrado defender militarmente, com uma competência técnica acima da média.

Porém, o que falta ao actual regime em heróis sobra-lhe em traidores, desertores, infamados e desclassificados.

A legião de corruptos perde-se de vista bem como os de vira-casacas (assim a modos como os «adesivos», no dia 6 de Outubro de 1910…).

Fora isto, restavam uns pseudo heróis de pacotilha, que se tinham entretido a colocar bombas nas ruas, ou a tentar prejudicar o esforço de guerra; assaltar bancos e piratear aviões e navios (entretanto recompensados com pensões e medalhas).

Seguiu-se um general que tinha participado no golpe de estado de 28 de Maio de 1926, servido com extremoso entusiasmo o regime que se seguiu e depois veio a atraiçoar, por razões menos nobres.

Já o encafuaram no mausoléu de Santa Engrácia, mas só foi fazer má companhia aos que lá estão.

Espero que, ao menos, não o tenham colocado ao lado do Aquilino Ribeiro…

Restam as «Catarinas Eufémias» da propaganda leninista, agora transmutada na subversão mais adequada à psicologia da burguesia, com origem no Gramsci e na Escola de Frankfurt. Mesmo assim o PC não simpatiza nada com esta moda…[2]

Além disto o regime nasceu aviltado por uma Junta de Salvação Nacional que não fez (e não conseguiu fazer) nada do que se tinha proposto – o célebre Programa do MFA – e rapidamente se alienou.

Um regime, cujos próceres, infligiram ao próprio país uma derrota política e militar, quando se estava a controlar e a ganhar a guerra em todas as frentes e que estava a ser combatida de uma forma competente e patriótica, como já não se assistia desde que Afonso de Albuquerque entregara a alma ao criador, frente a Goa, em 1515 (e mesmo este fartou-se de ser atraiçoado em Lisboa…).

E não contentes em terem provocado uma debandada de pé descalço, vergonhosa, ainda ficaram ufanos dela![3]

A Primeira República tinha-se fundado num crime de regicídio, num levantamento armado civil/militar, ilegal, organizado por um Partido legalmente constituído (o Partido Republicano) e por uma organização paramilitar clandestina – a Carbonária – mancomunada com aquele e com o Grande Oriente Lusitano. Regime que nunca se referendou.

A Terceira República alicerçou-se na tragédia inominável da «Descolonização» e na utopia dos «amanhãs que cantam», atroando os ares com a cançoneta da liberdade. A liberdade dos cemitérios.

Vivemos melhor? Materialmente vive-se melhor, é certo. Mas temos uma dívida impagável, crescemos em média 1,5% a 2% ao ano, temos 10% de desemprego 120 000 emigrantes/ano e demografia negativa.

E deixámos de ser donos do nosso destino (afinal onde está a liberdade?).

Mas vivemos melhor…

O que não quer dizer que se não houvesse golpe de estado em 25/4/74, também não o conseguissemos.

Pelo menos, na altura, o País crescia a 7% (no Ultramar era mais); o escudo era a 6.ª moeda mais forte do mundo e estava escorada em 850 toneladas de ouro e 50 milhões de contos em divisas).

O desemprego era quase inexistente bem como a dívida externa. Não havia dificuldade de crédito e os recursos eram imensos…

Esquecia-me de dizer que tudo isto acontecia «apesar» de existirem 230 000 homens em armas, espalhados por quatro continentes e quatro oceanos e a combater há 14 anos em três teatros de operações distintos (Angola, Moçambique e Guiné).

Convenhamos que o prato da balança era mais favorável…

Na altura o «espelho» da Nação era o Exército.

Agora o espelho (muito baço e riscado) é o futebol.

Daí não ser de estranhar que muitos dos «heróis» estejam a ele associados.

E nem vou entrar nos aspectos morais e cívicos que impregnam a sociedade que este regime enformou e promoveu.

Havia pois, uma necessidade desesperada, de arranjar um herói.

Aristides Sousa Mendes (ASM) caiu neste cenário como mel na sopa.

E que perfil ideal lhe arranjaram: perseguido pelo Regime «obscurantista» do Estado Novo e pelo «tenebroso» chefe de governo que o edificara; um desobediente por uma justa causa; um homem corajoso que se manteve fiel à sua consciência; um humanista; um lutador pela paz; uma alma sofrida por uma causa humanitária; um injustiçado que acabou na miséria; enfim, um justo. E só tardiamente reconhecido![4]

A sua mistificação continua pois, de vento em popa e ainda há muito a esperar deste filão, sobretudo se tiver a ajuda de uns rabis fervorosos e uns católicos ingénuos (alguns nada ingénuos).

É caso para o Pessoa, se fosse vivo e observasse o quadro, afirmasse:

— «Olha, toda a gente a querer viver e ninguém a querer navegar»;

— «Eh pá continua uma morzeta dos diabos, não vejo nada…»;

— «Ó Portugal, quando é que tu te cumpres?»

Ainda não é a hora…


[1] Minto, houve um «julgamento» do almirante Tenreiro e absolveram-no.

[2] A pobre da Catarina (outro mito) não tinha nada a ver com qualquer protesto nem era militante de coisa alguma. Estava no sítio errado, na altura errada e morreu acidentalmente, com uma bala perdida da pistola-metralhadora do comandante da força da GNR presente, Tenente Carrajola, que caiu no chão e se disparou inadvertidamente. Consta que os militares quotizaram-se, até, para pagar o funeral à vítima.

[3] Enfim, este aspecto até acaba por ser o mais mirabolante de tudo o que se passou!...

[4] Sobre este personagem favor ler o artigo «São Seguidas», que publiquei em 14/4/17.





Sem comentários:

Enviar um comentário